quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O morango e o silêncio (parte 1)


Eu tinha seis anos ontem. Para comemorar meu aniversário, meus pais resolveram não convidar ninguém. Vamos fazer um churrasco, disse o meu pai, enquanto espetava alternadamente carne e cebola no espeto. Minha mãe preparou salada de batatas. No caminho para o parque, meu pai parou o carro e apertou uns trocados na minha mão. Me dá oito d’água, por favor, eu disse. Enquanto a mocinha apanhava os pães, eu me esbugalhava na espiral vermelha e branca de uns pirulitos gigantes. Hoje é o meu aniversário, insinuei de queixo erguido sem sequer dar um passo para trás. A mocinha só olhou para mim.

O parque era uma feira agropecuária. Ao meio-dia já estávamos fartos e até ali tudo às maravilhas. Para manter a paz, cada um tomou uma direção. Minha mãe foi ver as tortas de nata. Meu pai assistiria à gincana com tratores, mas antes incumbiu o meu irmão de trocar a única nota na sua carteira destinada à diversão dos filhos. Você espera aqui, ordenou meu irmão antes de sumir na multidão que não parava de crescer. Só não chorei o tempo perdido porque me entretive com palhaços que desciam de paraquedas. Também não derramei uma lágrima ao ouvir do meu irmão que perdera o dinheiro. Você não dá um pio, e sumiu de novo.

Os solavancos daquela gente toda quase me derrubavam, por isso resolvi caminhar contra a corrente humana. Sabia de vista que as baias dos filhotes ficavam naquela direção. Me enganei, porém. Diante de um frigorífico, uma senhora de avental azul escuro e todo emplumado distribuia pintinhos da cor da gema. Uma leva de crianças disputava no berro a posse dos bichos. Coincidência: uma menina da minha escola. Tinha a cara de um lado a outro melecada de algodão-doce e poeira. Deve ter percebido minha melancolia, sei lá, pois me ofereceu o terceiro dos pintinhos que tentavam escapar de suas mãos. Não, obrigado, eu agradeci, é que outra vez minha mãe afogou no balde o pintinho que eu tinha levado pra casa.

Por um bom tempo, continuei me afastando até a feira toda se tornar um batimento abafado. Primeiro, foi um alvoroço, depois, acompanhei o voo da passarada debandando daonde eu adentrava, por isso, acabei mirando o sol e, por fim, me ceguei. Enquanto esfregava os olhos para desanuviar o mundo à minha volta, experimentei a brisa amornada me envolvendo com perfume de açúcar. Assim que a miragem se desfez, percebi a realidade se configurar. Feliz aniversário, pensei ouvir. Uma plantação de morangos se atapetava sob meus pés.

Um comentário:

Bigode de chocolade disse...

Aos amigos que passaram por aqui e nao me encontraram esse tempo todo - Joyce, Ju, Jux, Kelly e Bergamo, postei respostas tanto tempo depois, lá no post Avatar de Agosto 2010. Eu volto, eu me vou, eu volto. Um beijo a todos.