segunda-feira, 23 de março de 2009

A visita da velha amiga.

MACARRÃO DE CAFÉ COM MOLHO DE COGUMELOS
FRANGO AO MOLHO DE GENGIBRE E MAÇÃ COM ESPECIARIAS
CRÈME BRÛLÉE COM QUEIJO FRESCO DE LEITE DE CABRA

Eu não deveria ter atendido o telefone naquela noite. Há dias sonhava com um final de semana longe da cozinha e sabia que se levantasse o fone, tudo estaria perdido. Afinal, ninguém liga numa sexta à noite apenas para perguntar como você está. Cristiane disse não ter planejado nada para o sábado e que, como não nos víamos há semanas, resolvera passar a noite aqui em casa. Ela é companhia agradabilíssima, sim. Viajada, tem um repertório de histórias hilariantes. Porém, carrega a pecha de ser a pessoa mais oportunista do meu círculo de amigos. Eu explico. Por me conhecer tão bem, sabe que qualquer visitinha, inesperada até, enseja o anfitrião que mora em mim. Cristiane é muito boa de garfo. Por isso, logo após desligar o telefone, já me encontrava entre livros e recortes, sorteando algumas receitas que, entre tantas outras, esperavam pacientemente na fila para serem testadas.

- Ui. O que é isso? Raspa de limão? Ui. Nunca comi pão com raspa de limão. Ui.

Esclareci se tratar de uma receita de pão do livro do Richard Bertinet. Como recebo muitas vezes glutões aqui em casa, resolvi inaugurar o que chamo de ritual do pão. Sirvo um coquetel e apresento uma criação recém-saída do forno que, além de impressionar pelo sabor inusitado, acaba estofando o estômago dos convidados para o caso de um falso cálculo nas porções. Aliás, foi a última chance para por um fim na geléia de azeitonas pretas. É um quebra-gelo ideal e, com isso, tenho tempo de sobra para acertar os últimos detalhes do jantar. Enquanto eu salteava os cogumelos, pasmei ao notar a amiga debruçada sobre a tábua, picando cebola. Só interrompia sua função para enxugar as lágrimas e tasquinhar mais um pouco da geléia, abandonando a colher na boca como uma criança ao chupar pirulito.

- Ai. Esse molho não tem cogumelos, tem? Não falei que sou alérgica a alguns tipos de cogumelos? Eu não falei? Ai, ai.

Ensimesmada, Cristiane empurrava o molho marrom-claro para a borda do prato. O leve amargor do macarrão feito com café, perfeito contraste para o doce escondido nos cogumelos cremosos, esvaecia sobre o prato esfriado da minha amiga. Ela enrolava no garfo somente as tiras livres de vestígios do molho peçonhento. Essa amarga experiência a impediu de traçar qualquer comentário sobre o prato. Ao contrário, todo o tempo normalmente dedicado a bate-papo e elogios foi substituido por longos goles de vinho, a fim de lavar o dissabor daquele encontro, até ali, repleto de mágoa. Nem tudo, no entanto, estava perdido. O frango ao molho de gengibre e as maçãs com especiarias prometiam salvar a noite. Há muito tempo não me deparava com uma receita de tal harmonia de aromas. Planejei um roteiro minucioso de trabalho, de modo que nada atrapalhasse as duas horas dedicadas à preparação do molho, a quinta-essência daquele jantar.

- Cof. Cof. Eu não consigo respirar. Cof. Alguém me ajude, por favor. Cof. Cof.

Cristiane pigarreou e cuspiu longe. O anis-estrelado engasgado tintilou na garrafa de vinho do outro lado da mesa. Geralmente, distribuo sobre os pratos restos das especiarias usadas na preparação. Não faço isso apenas para decorar, mas também, para deixar claros vestígios dos ingredientes da receita. Isso, a meu ver, suscita a curiosidade e dá vazão à discussão. Mas não imaginava que a amiga, possuída por uma gula progressivamente aguçada durante o banquete, iria, cega, saciar sua fome nos ínfimos pedacinhos encontrados ali no prato. A noite iria acabar definitivamente quando perguntei, já da cozinha, se queria açúcar no cafezinho que acompanhava a sobremesa. Cristiane pediu três colheres! Foi aí que não senti mais o chão sob meus pés. A crème brûlée com queijo de leite de cabra fresco
não levava açúcar. Somente a pitada suficiente para compor o caramelo. O queijo levemente salgado, disfarçado num clássico da doceria francesa, seria a chave de ouro para encerrar nosso jantar de inversões. Mas sobremesa sem açúcar é excêntrico demais. Três colheres! Era o fim, o fim daquele jantar.

- Meu deus, que delícia. Adorei essa sobremesa. Me dá a receita?




Frango ao molho de gengibre e maçã com especiarias

(adaptado do bookazine Feinschmecker n. 14)Ingredientes e modo de preparo para 4 porções:

Frango ao molho de gengibre
· 1 frango inteiro
· 4 colheres de sopa de óleo de girassol
· 1 cebola pequena
· 1 cenoura descascada de aprox. 50 g
· 1 dente de alho
· 1 colher de sobremesa de farinha de trigo
· 1 folha de louro
· 1 cravo da índia
· 5 pimentas do reino
· 200 ml de vinho do porto
· ½ litro de vinho tinto seco
· 1 litro de caldo do frango
· 1 colher de sobremesa de gengibre descascado e cortado em tiras bem finas
· 10 g de manteiga gelada

1. Corte as coxas, as sobrecoxas e o peito do frango e reserve. Corte o restante em pedaços menores. Pique cebola e a cenoura.
2. Em um panela, aqueça 2 colheres de óleo e frite a carcaça do frango. Acrescente a cebola e a cenoura e frite até dourar.
3. Acrescente o alho e a farinha e deixe dourar.
4. Adicione o louro, todos os temperos e o vinho do porto e cozinhe em fogo médio, mexendo de vez em quando até evaporar quase todo o líquido.
5. Adicione a metade do vinho tinto e cozinhe até que reduza pela metade. Acrescente a outra metade e deixe reduzir até a metade de novo.
6. Adicione o caldo de frango, o bastante até que cubra toda a carcaça. Deixe cozinhar lentamente até reduzir. Repita a operação algumas vezes.
7. Passe tudo por uma peneira fina, apertando bem a carcaça. Despeje o molho em uma panela pequena e deixe cozinhar até adquirir uma consistência espessa.
8. Pré-aqueça o forno a 150°. Esquente duas colheres de óleo restantes em uma frigideira. Tempere as partes reservadas do frango com sal e pimenta e doure rapidamente por todos os lados.
9. Leve ao forno por 15 minutos para terminar de assar.

Maçã com especiarias
· 50 g de manteiga
· 30 g de mel
· 4 anises estrelados
· 4 cápsulas de cardamomo
· 1 colher de sobremesa de semente de coentro
· ½ pau de canela
· 2 maçãs azedas
· 100 ml de vinho branco

1. Descasque as maçãs, retire o miolos e corte em fatias de 1 cm de espessura.
2. Aqueça a manteiga com as especiarias. Acrescente as fatias de maçã e deixe caramelizar.
3. Acrescente o vinho e deixe reduzir por completo. Retire as maçãs e coe o molho. Mantenha aquecido.

Finalização:
1. Acrescente as tiras de gengibre ao molho e deixe ferver por um minuto. Retire do fogo, acrescente a manteiga gelada e mexa vigorosamente com um batedor.
2. Distribua o frango e a maçã sobre pratos pré-aquecidos, cubra com o molho, decore com anis estrelado e sirva.

DICAS:
*Esse molho é uma delícia e foi feito de maneira tradicional. Mas você pode poupar essa trabalheira, fazendo uma redução de vinho do porto, caldo de frango e temperos. Você pode também comprar o frango já em pedaços.
**Se fizer com um frango inteiro, cuide para que cada pessoa receba pelo menos um pedaço do peito.

Macarrão de café com molho de cogumelos

(adaptado da bookazine Feinschmecker n. 14)Ingredientes e modo de preparo para 4 porções:

Macarrão de café
· 50 g de café solúvel instantâneo
· 250 g de farinha de trigo
· 5 g de cacau em pó
· 5 g de sal
· 1 ovo inteiro e 2 gemas

1. Ferva 50 ml de água com o café solúvel e deixe esfriar. Peneire a farinha junto com o cacau sobre uma superfície plana.
2. Faça uma cavidade no meio da farinha e adicione o ovo, as gemas, o sal e o extrato de café frio. Com um garfo, vá misturando aos poucos os líquidos à farinha. Sove até desgrudar das mãos e obter uma massa homogênea. Embrulhe em papel-filme e leve ao refrigerador por uma hora. Abra a massa sobre uma superfície enfarinhada e corte em tiras finas. Enfarinhe as tiras, cubra com um pano de prato e reserve.


Molho de cogumelos
· 250 g de cogumelos variados
· 2 cebolas pequenas
· 1 dente de alho
· 2 colheres de sopa de manteiga
· 80 ml de vinho branco
· 1 folha de louro
· 150 ml de caldo de frango ou legumes
· 150 ml de creme de leite fresco
· Sal e pimenta do reino a gosto

1. Limpe os cogumelos e corte-os em pedaços. Pique as cebolas e o alho bem finos.
2. Derreta a manteiga em uma frigideira e refogue os cogumelos, sem dourar muito. Acrescente as cebolas e o alho e refogue até os líquidos evaporarem.
3. Acrescente o vinho branco e deixe cozinhar até evaporar quase por completo.
4. Acrescente o louro e o caldo e deixe cozinhar até evaporar quase por completo.
5. Acrescente o creme de leite, deixe ferver e retire do fogo. Tempere.

Finalização:
1. Ferva bastante água com sal. Cozinhe o macarrão por 2 – 3 minutos.
2. Aqueça o molho, sem deixar ferver.
3. Escorra o macarrão e divida em porções. Cubra com o molho e decore com uma folha de louro.

DICAS:
*Dá para fazer o molho com cogumelos secos. Pese somente depois de hidratá-los.
**Se a massa estiver muito seca, acrescente algumas gotas de água durante a preparação.
***A massa tem sabor levemente amargo. Acredito que combine também com um ragu de carne e cerejas.


Crème Brûlée com queijo de leite de cabra fresco

(adaptado do bookazine Feinschmecker n. 14) Ingredientes para 4 forminhas de aprox. 100 ml:
· 150 ml de creme de leite fresco
· 150 ml de leite
· 150 g de queijo de leite de cabra fresco
· 3 gemas de ovo
· Sal
· pimenta do reino moída na hora

açúcar o quanto baste

Modo de preparo:
1. Pré-aqueça o forno a 160°.
2. Leve o leite e o creme para cozinhar. Acrescente o queijo picado. Retire do fogo.
3. Misture com um mixer ou use um liquidificador. Acrescente as gemas e misture novamente.
4. Tempere com sal, pimenta a gosto e uma pitada de açúcar. Coe. Despeje em formas refratárias.
5. Asse em banho-maria por aprox. 50 min. Deixe esfriar. Leve ao refrigerador por no mínimo 2 horas.
6. Salpique com açúcar e caramelize com um maçarico. Leve ao refrigerador por mais 10 minutos. Sirva.

DICAS:
*Se fizer a crème um dia antes, é melhor. O sabor se intensificará. Mas só caramelize o açúcar pouco antes de servir.
**A prática faz o mestre: Primeiro, ferva a água. Então, coloque as forminhas em uma forma maior. Depois, despeje a mistura nas forminhas. Coloque a forma maior sobre a grade do forno. Por fim, despeje a água quente.
***As crèmes estarão prontos quando, ao chacoalhar a forma, tiverem consistência de gelatina.

Leia o texto A visita da velha amiga.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Não dê sopa para o desperdício.

SOPA DE COUVE-DE-BRUXELAS COM CHANTILLY DE CURRYAntes de ligar para pedir uma pizza, dê uma olhadela no compartimento de legumes do seu refrigerador. Ao invés de enriquecer ainda mais o lixo do país, aproveite os restos dos legumes e faça sopa. Use até o fim o restolho da couve-flor que não encontrou mais espaço no suflê do sábado à noite. Dê uma chance para as duas ou três cenouras murchosas, encobertas pelo alface. E, apesar de ter esquecido que batata se guarda em lugar seco e escuro, não jogue fora a meia dúzia que já está até dando brotos por lá. Qualquer sobra pode virar um jantar saboroso e econômico. E bem leve, afinal, a maior parte de uma sopa é água mesmo.

Na falta de inspiração, pense que sopa nada mais é do que uma versão líquida de pratos já conhecidos por você. Se o suflê de couve-flor levou alho na sua preparação, combine novamente esses dois ingredientes para compor uma sopa cremosa. Se suas cenouras foram glaceadas com gengibre, reduza, então, o açúcar a uma pitada e tasque mais gengibre ainda. O resultado será uma sopa picante bem-vinda em qualquer época do ano. E a batata? Bem, batata combina com tudo, até mesmo com sal e pimenta. Entretanto, quanto maior for o seu arsenal de ervas e temperos, mais chances você terá de livrar as sobras de uma sina, a meu ver, imoral que é a lata do lixo.

E quando você estiver varado de tanta fome, enquanto a sopa cozinha, corte um pão dormido em cubinhos e doure na manteiga. Voilà! Você terá croûtons. O que parece ser apenas uma manobra contra o desperdício, é a pitada de criatividade que acaba transformando a merenda chinfrim do meio da semana numa ceia chique e altamente restauradora. Atitude que não pesa no bolso nem na consciência. É fácil, é sopa!

Sopa de couve-de-bruxelas com chantilly de curry
(da revista Essen und Trinken, Februar 09)


Ingredientes para 4 porções:
· 350 g de couve-de-bruxelas
· 1 cebola
· 10 g de manteiga
· 500 ml de caldo de legumes
· 300 ml de creme de leite fresco
· Sal, pimenta e noz-moscada
· 2 colheres de sopa de suco de limão
· 2 – 3 colheres de curry
· 2 gemas de ovo


Modo de preparo:
1. Limpe as couves e corte-as ao meio. Pique a cebola e refogue com a manteiga até ficar transparente. Adicione a couve, o caldo e o creme de leite. Cubra e deixe cozinhar em fogo médio por 20 minutos. Triture tudo no liquidificador ou use um mixer. Tempere com sal, pimenta e noz-moscada a gosto. Adicione o suco de limão. Mantenha aquecido.
2. Misture o curry com as gemas. Bata o restante do creme de leite. Com cuidado, misture as gemas ao creme de leite. Despeje a sopa em 4 tigelas refratárias. Divida o creme batido sobre as porções e leve ao forno para gratinar. Sirva imediatamente.


DICAS:
*Use brócolis no lugar da couve, se desejar. Ou acrescente raspas de limão ao chantilly.
**Se não puder gratinar, bata os ovos em banho-maria com um pouco de suco de limão e o curry até formar um espuma. Deixe esfriar e misture com o creme batido. O efeito é bem parecido.


OUTRA RECEITA DE SOPA:
Sopa de pimentão amarelo com bolinhos cozidos de ricota

domingo, 15 de março de 2009

Noite insone.

BOLO DE MAÇÃ COM CALVADOS

Meia-noite. Eu continuo aqui, andando de um lado para o outro. Tento me livrar do ritmo invariável do pêndulo de oscilantes pensamentos. Ora revejo as atividades do dia transcorrido, catando aqui e ali, desafortunado, os momentos em que fui realmente autor da minha vida. Ora reescrevo a to do list afixada na borda da escrivaninha, sequenciando minhas obrigações do dia seguinte, com a presunçosa esperança de encontrar a mim mesmo num emaranhado de agendas alheias. Alguém sobe as escadas do prédio. Um cão revira a lata do lixo. Por sorte, mínimas distrações como estas salvam meu cérebro negligente de uma agonia sem fim. Mas, não restando nem o julgamento do fracasso de ontem nem a conjectura de alcançar a glória amanhã, como relaxar e encontrar o conforto da cama, se o corpo ainda vacila, arrebatado por tantas e tantas dúvidas?

Durante meu jejum, no início do ano, enfrentei momentos de certa inquietação. Quando o corpo sente a falta da comida, ele reage de formas diferentes, e isso de pessoa para pessoa. Como não tenho dificuldades em jejuar, no meu caso, essas inquietações eram de esfera emocional. Porém, quando voltei a experimentar a comida, meu corpo abandonou a placidez. A violência do primeiro naco mastigado induziu à guerra os sucos e as enzimas dentro de mim. Daqui de fora, ficava difícil saber pelas pistas sonoras quem dava as boas-vindas e quem, depois do longo período de ócio estomacal, tentava expulsar o elemento forasteiro. Nessas horas, eu recorria à meditação. O retorno à comida deveria ser uma aprendizagem sem pressa, uma - como gosto de chamar - reeducação dos sentidos. Uma certa meditação acompanhada de uma maçã madura, aprendida no período de preparação para a abstinência, me conduziu, mordida após mordida, de volta ao cotidiano das refeições. E será assim, com uma maçã madura, descoberta solitária na cesta de frutas, que encontrarei o caminho para cair no sono perdido.

Agora: morda a maçã. Pare. Não do jeito de sempre. Engolir e pronto. Esqueça. Vou fazer um banquete desta maçã. Eu coloco a mesa. Uma toalha, um prato, sobre o qual está a minha maçã. Guardanapo, faca, algumas flores e, para a celebração, uma vela. Eu me sento confortavelmente e observo a maçã. Eu tenho tempo, tempo para a maçã. Nada é mais importante. A maçã é o centro dos meus interesses. Como ela é? Lisa. Redonda. Que cheiro tem? Eu fecho os olhos e a tomo nas mãos. O que percebo quando toco a maçã? Onde estão a árvore e o campo? Eu posso comê-la. Ommm. A maçã espera que eu a coma. Ommm.

Você ouviu? Não ouviu? Eu não estou louco. Estou? Você ouviu um ronco por aqui? Acho... acho que veio do meu estômago. É isso. Eu estou é com fome. É por isso que não consigo dormir. E com uma maçãzinha dessas é que eu não mato a fome mesmo. Quer saber? Isso me tirou o sono de vez. Vamos ver o que temos aqui na geladeira... ovos, manteiga. Já sei. Por que não fazer um bolo delicioso enquanto o sono não chega? Uma receita, eu só preciso de uma receita. Aqui: bolo de maçãs com calvados.

Agora: Corte o bolo. Não, não pare. Não tem problema que ele ainda está quente. Sinto como a faca desliza fácil-fácil. Percebo a manteiga que circula, ainda tenra, encerrada na crosta fumegante. Sinto o éter bêbado da maçã reduzida à essência que me arrebata e me conduz diretamente ao mundo dos sonhos. Sono? Que nada. Hummm. Prato, talher e guardanapo mantêm-se intocáveis sobre a mesa. Rasgo a fatia em pequenos pedaços. O bolo espera que eu o coma. Nada é mais importante. Hummm. Pedacinho após pedacinho, devolvo à fatia do bolo sua completude. Onde estão o meu corpo e o bolo? Com o dedo indicador, recupero as migalhas caídas. Lambo a gordura doce nas pontas dos dedos. Hummm. Agora, eu me sinto cansado. Eu posso dormir. Mas antes... mais uma fatia de bolo? Hummm. Bolo de maçã com calvados
(adaptado do livro Cake e Kuchen, Ilona Chovancova)

Ingredientes para uma forma retangular de 26 cm:
· 180 g de farinha de trigo
· 1 colher de sobremesa de fermento químico
· 3 ovos inteiros
· 150 g de açúcar orgânico
· 150 g de manteiga derretida
· 2 maçãs
· 4 colheres de sopa de calvados (ou rum)
· 1 pitada de sal

Modo de preparo:
1. Pré-aqueça o forno a 180°. Derreta a manteiga e reserve.
2. Descasque as maçãs, retire as sementes e corte em pequenos cubos. Deixe marinando no calvados.
3. Unte e enfarinhe a forma ou cubra com papel-manteiga.
4. Bata os ovos com o açúcar até dobrar de volume ou até virar uma massa clara e lisa.
5. Peneire a farinha junto com o fermento. Alternadamente, adicione a farinha, manteiga e o sal, mexendo cuidadosamente com uma colher de pau ou espátula.
6. Escorra a maçã e reserve o líquido. Acrescente a maçã à mistura e despeje na forma. Asse por aprox. 40 minutos. Derrame o calvados sobre o bolo ainda quente. Espere uns 10 minutos e desenforme.

DICAS:
*Você pode usar peras no lugar da maçãs, nesse caso, não precisa descascar.
**Se usar peras, substitua o calvados por meia colher de sobremesa de anis em pó.

OUTRA RECEITA DE BOLO:
Bolo quatre-quarts

segunda-feira, 9 de março de 2009

Vermelho de ódio.

CRUMBLE DE BETERRABA E FUNCHO

Há hábitos que têm sua origem lá na nossa infância. São atitudes diminutas como lavar as mãos antes das refeições ou escovar bem os dentes do fundo que, uma vez repetidas com persistência, acabam desenhando o contorno de uma idade adulta ordeira e, por isso, mais fecunda. O que parece um tanto retrógrado é fato e, apesar de ter alardeado por toda a vida minha filosofia libertária, acredito ser possível harmonizar os conceitos adversários da norma e da liberdade. Agora, se cultivamos esses hábitos por amor aos nossos pais ou se aceitamos a regra imposta pelo medo da repressão, bem, esse fica sendo um problema para acertar noutra hora sobre o divã do analista.

Lá em casa, sempre se comeu de tudo, ou formulando melhor, sempre se comeu tudo o que se encontrava no prato. Liberdade de escolha eu tinha em apenas duas situações: ao visitar a feira de rua, quando, impreterivelmente, optava pela aventura puxa-puxa do pastel de queijo e, em aniversários de amiguinhos, dias em que os brigadeiros ostentavam sua majestade perante quaisquer salgadinhos de festa. Da minha mãe, no entanto, não posso reclamar – a mulher era mesmo a rainha do lar. Muito diferente das donas-de-casa de onde vivo que elegeram o miojo como acompanhamento número um das refeições, minha mãe, ao contrário, parecia ter um certo sistema de alternância dos alimentos levados à mesa. A diversidade era lei. Por conta da nossa situação financeira, minha mãe tinha de se ater aos preços baixos, mas devido à sua criatividade e senso para a perfeita seleção de alimentos, suas refeições eram extremamente nutritivas. Se por um lado, o bifinho de segunda era uma constante, batatas, aipins, inhames, polentas, vagens, macarrões e arrozes eram as variáveis que afastavam o nosso almoço de um cotidiano enfadonho. Toda essa admiração, porém, não me toma o direito de dizer que havia, sim, prato que eu não gostava. E porque vocês já me conhecem, posso dizer com todas as letras: eu odiava.

Ao chegar do trabalho, muita gente tem o costume de abrir a porta da geladeira, assim, sem mais nem menos, apenas para se certificar de que há comida lá dentro. Enquanto trocam de roupa, o cozinheirozinho em seus inconscientes já mistura os ingredientes fotografados pela memória, os quais virarão jantar minutos mais tarde. É triste, mas comigo é diferente. Também abro a geladeira quando chego em casa. Metodicamente. Religiosamente. Porém, enquanto outros buscam o que beliscar lá dentro, eu, trépido e custosamente, abro a geladeira a fim de me assegurar de que não reviverei no presente experiências aterrorizantes do meu tempo de menino.

Era uma segunda-feira. Em algum momento entre as cinco e as seis da tarde, eu estava de volta da escola. Como de hábito, abri a porta da geladeira. Talvez tivesse sobrado um pouco de arroz doce da sobremesa do almoço e, não estando nem a minha mãe nem o meu irmão delator por perto, poderia dar uma colheradinha de nada na borda da tigela, sem deixar vestígios. As papilas tomariam conta, então, de manter viva a lembrança do gosto doce e proibido até o jantar. Mas algo parecia novo com a tigela de ágata herdada da minha avó. Ao levantar a tampa, as gotas condensadas pingaram para dentro da tigela, movimentando o líquido. Um cheiro ácido invadiu minhas narinas e irritou meus olhos. Foi então que vi a sopa vinagrenta de um vermelho reluzente, onde boiava o corpo esquartejado e ensanguentado de um legume que, mais tarde, durante o jantar, viria a conhecer – a beterraba. Durante aquela semana inteira, no almoço e no jantar, aqueles pedaços insuportavelmente azedos de beterraba guarneceram o meu prato. E nada escapou àquela peste vermelha. O sangue ácido embebia as batatas e arrozes, nodoava minha camiseta e, o pior de tudo, desenhava sobre meus lábios a mancha infamante de um bigode vermelho que, para o deleite dos colegas de escola, era reimpressa todos os dias. Imaginava meios de, na surdina da noite, saquear a tigela e despejar o veneno pela privada. Fantasiava sabotar as rodas da charrete do verdureiro, impedindo, assim, que ludibriasse minha mãe com essas idéias e pechinchas. Mas não, pois volta-e-meia o diabo voltava a enfezar minha vida. Tudo isso virou pesadelo. Depois virou trauma, imortalizado num monstro branco e gelado que esperava por mim todos dias na cozinha lá de casa.

Nunca entendi o fascínio que minha mãe tem por esse modo de preparar as beterrabas. Também é difícil de compreender por que arruinava, a meu ver, seus variados pratos com o gosto forte e ácido do vinagre. Talvez desdenhasse de suas qualidades de cozinheira. Talvez lhe faltasse o devido elogio que criança não faz. Ou talvez, por saber possuir não mais que palavras rígidas, desejasse, ao colorir nossos pratos, apenas dizer que nos ama. E o engraçado de tudo isso é que, mesmo adultos, ainda fugimos dos medos da infância. Mas crianças nunca correm para tão longe assim. Hoje, moro num país frio como uma geladeira. E aqui só há um jeito de preparar a beterraba. Com muito, mas muito, muito vinagre mesmo.

Crumble de beterraba e funcho

(adaptado da revista Essen und Trinken, Februar 09)

Ingredientes para 4 a 6 porções:

· 600 g de beterraba

· 1 folha de louro

· Sal

· 2 raízes de funcho (aprox. 400 g)

· 9 colheres de sopa de azeite de oliva

· pimenta do reino

· 4 colheres de vinagre de vinho branco

· raspas de 1 laranja

· 60 g de gengibre cristalizado

· 130 g de farinha de trigo

· 40 g de açúcar

· 50 g de manteiga gelada

Modo de preparo:

1. Cozinhe a beterraba com a folha de louro em água com sal por aprox. 1 hora.

2. Enquanto isso, corte o funcho em tiras de 2 cm. Reserve as folhas verdes para decoração. Em uma frigideira, aqueça 5 colheres de azeite e refogue o funcho por 5 minutos. Retire do fogo, tempere com sal e pimenta e deixe esfriar.

3. Escorra a beterraba e deixe esfriar. Em uma tigela funda, misture 4 colheres de azeite com o vinagre. Descasque a beterraba e corte em fatias de 2 cm. Misture com o vinagrete e tempere com sal e pimenta.

4. Pique bem o gengibre cristalizado. Misture a farinha com o açúcar, as raspas e 1 colher e meia de chá de sal. Corte a manteiga em cubinhos e adicione um a um à mistura de farinha e, com a ponta dos dedos, faça a farofa.

5. Pré-aqueça forno a 180°. Distribua alternadamente a beterraba e o funcho em uma forma refratária. Cubra com a farofa e asse por 30-35 min. ou até dourar. Decore com as folhas do funcho.

DICAS:

*Se você não achar gengibre cristalizado, substitua por laranja cristalizada e misture gengibre em pó na farinha.

**Prepare com antecedência, guarde na geladeira e asse logo antes de servir. Deixe para cobrir com o farofa só na hora de levar para o forno.

***Beterrabas assadas são mais gostosas. Quando faço bolo ou pão, enrolo beterrabas em papel-alumínio e logo que ligo o forno, eu as coloco lá dentro. O bolo assa e só quando o forno estiver frio retiro as beterrabas. Deixo no alumínio até a hora de usar. Elas se conservam por alguns dias na geladeira.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Um banquete para daltônicos.

GELÉIA DE AZEITONAS PRETAS
SOPA DE PIMENTÃO AMARELO COM BOLINHOS COZIDOS DE RICOTA
SORVETE DE TURRÓN DE ALICANTE
Se o clima sombrio lá de fora contradiz todas as previsões do aquecimento global, não há nada melhor do que ligar para alguns amigos famintos e se enfurnar na cozinha, nem que seja apenas para jogar conversa fora e aquecer as costas no calor do forno. Quem já veio aqui, no entanto, sabe que, sendo a cozinha o coração do nosso apartamento, é imanente a paixão que temos pelas panelas e ingredientes. Por isso, fica difícil de escapar do mundo de cores e semitons dos alimentos e da vontade contagiante que temos em embaralhá-los.

Em dias esmaecidos como esses, quando não se distingue o amanhecer do crepúsculo, tem-se a sensação de que tudo está borrado de cinza, de que o mundo que ajudamos a colorir está perdendo a tinta. Tão dependentes estamos dessa paleta cromática que, ao sermos privados de sua companhia por um longo período, perdemos lentamente o pigmento que colore a alegria e nos tornamos desbotados por dentro. Foi o que aconteceu nesse sábado. Parece que uma nuvem cinzenta nos acompanhou da rua até aqui para pairar indissolúvel sobre nossas cabeças, contaminando-nos com uma melancolia sombria e, assim, constrangendo nosso espírito criativo. Foi por conta dessa obscura situação que nosso jantar de sábado se tornou um jantar para daltônicos.
Quem é daltônico possui um certo distúrbio em sua percepção visual. Em um dos muitos casos, não se distingue o vermelho do verde. Pense num spaghetti alla carbonara. No molho dourado de gemas e parmesão que envolve a massa. Nos pedacinhos encarnados da pancetta que, em ritmo invisível, escorrem para o fundo do prato. E na cebolinha verde salpicada, aviltando o clássico italiano, num gesto dissimulado em defesa de sua saúde. Pois bem, o que para a maioria se assemelha a um calidoscópio colorido, para um daltônico, ao contrário, é um puzzle de peças amarelecidas que se distinguem umas das outras através da forma e da sombra. Para mim, uma situação tão inimaginável como uma toxina que induziria à anemia. Por outro lado, acredito que os daltônicos acabem desenvolvendo o pendor de reconhecer o mundo através dos outros sentidos. Talvez – e começo, aí, a invejar – , por não estarem acostumados a comer com os olhos, eles percebam mais nuances no simples carbonara de um dia de semana, do que no banquete que, apesar de todas as minhas habilidades sensoriais, não consegui produzir no sábado passado.

O cozinheiro não está ileso de cometer erros. O que ele não pode é subjugar-se às tensões de um ambiente carregado. No sábado à noite, por conta do ânimo esmorecido, violei o preceito que considerava religioso - partilhar meu amor através da comida que faço. Bem que a geléia de azeitonas pretas traria mais dignidade ao petisco de boas-vindas se acompanhasse o contraste púrpuro da confettura di radicchio, a surpresa de uns dias atrás. Se, ao modelar os bolinhos de ricota, eu tivesse o capricho de reservar apenas quatro folhas de manjericão para a decoração e se salpicasse a sopa de pimentões amarelos com uma emulsão rubra de azeite e pimenta malagueta, alcançaria já no prato de entrada o ápice do jantar. Se deixássemos vazar os sentimentos desse nosso relacionamento mudo de agora e planejássemos mutuamente a disposição dos ingredientes, teríamos levado um outro prato principal à mesa. Mas não, o filé de peixe se refugiou sob a montanha amarelo-pálida do purê de batatas, assim como, quietinho, alguém finge dormir quando o companheiro entra no quarto. Por fim, o sumo quente e pontilhado de um figo gratinado teria sido o apelo sensual ideal para livrar o sorvete de turrón da sua feição tão enfadonha. Foi mesmo uma sorte que uma bola não acabou na testa de algum convidado, pois se não fosse a discussão acalorada sobre as mudanças climáticas, alguém, certamente, dormiria sobre o prato.

Toda essa tragédia monocromática não só afetou a beleza dos pratos como também, e incontestavelmente, influenciou o sabor do que foi servido. Embora nenhum daltônico estivesse sentado à nossa mesa, é possível imaginar que, por não se ater ao que foi apresentado à sua vista, tivesse a chance de sentir o verdadeiro sabor da comida antes de qualquer um dali. E por não perder tempo com questões estéticas para as quais não teria respostas, é que por primeiro perguntaria onde teria parado a alma daquele jantar.

Geléia de azeitonas pretas

(da revista Essen und Trinken, Março 2009)Ingredientes para um vidro de 300 ml:
· 200 g de azeitonas pretas sem caroços (ou 250 g com coroços)
· 1 limão siciliano, as raspas e o suco
· 2 folhas de louro
· 2 ramos inteiros de alecrim
· 200 g de açúcar
· 120 g de geléia de marmelo ou de maçã
· Pimenta do reino a gosto

Modo de preparo:
1. Se for o caso, descaroce as azeitonas. Triture as azeitonas no processador de alimentos ou pique bem fino.
2. Cozinhe todos os ingredientes em fogo médio por 45 minutos ou até atingir a consistência de geléia.
3. Descarte os ramos de alecrim e as folhas de louro. Tempere com pimenta do reino.

DICAS:
*Se você não encontrar geléia de marmelo, use o doce de marmelo e acrescente um pouco de água.
**Ao invés de usar os ramos inteiros, você pode picar o alecrim.
***Em vidro fechado e sob refrigeração, a geléia se conserva por vários meses.
****Combina com queijos fortes.

Leia o texto Um banquete para daltônicos.

Sopa de pimentão com bolinhos cozidos de ricota

(da revista Essen und Trinken, março 2009)Ingredientes para 4 porções
Sopa:

· 2 pimentões amarelos picados grosseiramente
· 100 g de batata descascada e picada grosseiramente
· 50 g de cebola picada
· 100 g de lentinha amarela
· 6 colheres de azeite de oliva
· 1 litro de caldo de frango
· 200 ml de leite
· 1 folha de louro
· ½ pimenta malagueta
· sal e pimenta a gosto
· 2 ou 3 colheres de sopa de suco de limão

Bolinhos de ricota:
· 25 g de folhas de manjericão
· 400 g de ricota
· 2 gemas
· sal e pimenta do reino a gosto
· 3 ou 4 colheres de farinha de rosca
· 1 colher de amido de milho
Modo de preparo:
1. Aqueça 2 colheres de óleo numa panela funda. Acrescente os pimentões, a batata e a cebola picadas, 80 g de lentilhas e refogue um pouco. Adicione o caldo, o leite, o louro, a pimenta, tempere a gosto e deixe cozinhar por 20 minutos.
2. Enquanto isso, cozinhe as lentinhas restantes com um pouco de sal por 15 minutos. Escorra e misture com o restante do azeite de oliva. Reserve.
3. Descarte a folha de louro e bata a sopa no liquidificador, ou use um mixer. Passe por uma peneira . Tempere com o suco de limão e reserve.
4. Para os bolinhos, escalde ligeiramente as folhas de manjericão, mergulhe na água fria para que não cozinhem mais e seque com uma toalha de papel. Pique bem fino.
5. Esmague a ricota com um garfo e adicione o manjericão, as gemas, o sal, a pimenta e a farinha de rosca. Com a ajuda de duas colheres forme os bolinhos e passe pelo amido. Deixe descansar por 15 minutos.
6. Leve água com sal para ferver e abaixe o fogo antes que comece a borbulhar. Delicadamente coloque os bolinhos na água e deixe que cozinhem por 15 minutos. Retire-os com uma escumadeira e deixe que sequem sobre uma toalha de papel. Aqueça a sopa novamente, distribua os bolinhos e decore com as lentilhas no óleo.

DICAS:
*Se a ricota for muito seca, adicione algumas colheres de leite. Se a massa ficar muito pegajosa, adicione um pouco mais de farinha de rosca.
**Por precaução, faça um teste antes de colocar todos os bolinhos para cozinhar. Eu sempre faço um pequeno bolinho para verificar se ele permanece inteiro na água. Se não, acrescente um pouco de trigo à massa.
***Dá para preparar a sopa e os bolinhos com antecedência. Mas na hora de esquentar, mexa com frequência para evitar que queime no fundo da panela. Mantenha os bolinhos em temperatura ambiente.
****Como se tratava de uma entrada, fiz metade da receita e servi porções menores.

Sorvete de Turrón de Alicante

(adaptado do livro Süße Verführungen, Eckart Witzigmann)
Ingredientes para 750 ml:
· 250 ml de leite (integral ou desnatado)
· 250 g de creme de leite fresco
· 100 g de açúcar
· 1 ovo inteiro e 2 gemas
· raspas de ½ laranja
· 20 ml de licor de laranja
· 10 ml de amaretto
· 20 ml de conhaque
· 100 g de turrón
Modo de preparo:
1. Quebre o turrón em pedaços bem pequenos.
2. Ferva o leite e o creme de leite com 50 g de açúcar.
3. Enquanto isso, em banho-maria bata as gemas, o ovo e o restante do açúcar até que dobre de volume.
4. Despeje a mistura quente de leite e creme sobre os ovos batidos e cozinhe no banho maria, mexendo com uma colher de pau até que, assoprando sobre as costas da colher, se forme o desenho de uma rosa. Retire do fogo.
5. Adicione o turrón em pedaços e as raspas da laranja. Deixe esfriar e quando atingir a temperatura ambiente, adicione as bebidas.
6. Despeje na sorveteira. Quando atingir uma consistência cremosa, leve para o congelador por mais 2 horas.

DICAS:
*Eu só tinha amaretto em casa. Substituí o conhaque e o licor por brandy e adicionei mais raspas de laranja. Importante é não passar de 50 ml ao todo.
**Devido a quantidade de álcool, vai ser difícil que o sorvete atinja a consistência ideal na sorveteira. Por isso, é preciso que fique mais um tempo no congelador.
***O turrón espanhol leva amêndoas e é mais duro que o torrone que normalmente se encontra no supermercado e que tem amendoim na sua composição. Ao invés de usar turrón, você pode acrescentar amêndoas caramelizadas à receita.


Leia o texto Um banquete para daltônicos

domingo, 1 de março de 2009

Justiça seja feita.

RECEITA: MUSSE DE CHOCOLATE (MOUSSE AU CHOCOLAT) Para se produzir um bom musse de chocolate é preciso dedicação. Com um pouco de treino e aprendendo com os erros é que se encontra o ponto de equilíbrio entre as consistências opostas do chocolate e dos ingredientes líquidos. Mas o que diferencia um simples creme de chocolate de um verdadeiro musse, daquele que faz todo o burburinho da mesa se calar, é o ar escondido dentro da sobremesa. E sem um pouco de perspicácia ninguém alcança esse sucesso. Um detalhe do preparo é a atenção que se deve dar às temperaturas. Todo o líquido que for adicionado ao chocolate derretido precisa ter a mesma temperatura. Se estiver mais quente pode ser que a manteiga de cacau derreta, destruindo a emulsão; se estiver mais frio, vai talhar tudinho.

Eu passei por todas as fases. Desde a catástrofe de produzir algo impróprio ao consumo, que acaba na lata de lixo, até a redenção, que não é nada mais do que reconhecer o erro cometido e salvar a receita através de simples truquezinhos. Meu musse de chocolate chega a surpreender – me permita o lisonjeio. Preciso, no entanto, deixar claro que não me considero de todo responsável pela falta de êxito em algumas tentativas de produzir uma sobremesa fofinha. O erro, na verdade, não foi meu e não é de ninguém. O problema é a tradução, esse aportuguesamento da palavra francesa. É um pecado, praticamente um desrespeito que um clássico das sobremesas francesas carregue um nome como esse. Você não acha que a ausência do “o” faz uma tamanha diferença?
Um musse de chocolate não é nada mais do que uma sobremesa espumenta, algo melado que a língua pressiona contra o céu da boca; assim como o nome que carrega, é um alimento frívolo, indigno de ovação, coisa que não merece nenhum elogio além de um simples “é tava gostoso”. Já um mousse au chocolat se eleva através da sonoridade do seu título ao posto de iguaria. Ninguém diz que o chocolate é amargo, mas sim, acre. Ninguém diz que a consistência é espumosa. Aliás, não é preciso dizer nada. O arroubo provocado pelo mousse au chocolat é revelado pelo enlevamento dos olhos de quem vive a experiência e pelas feições um pouco coradas de êxtase.
Não vou dar um de despatriota aqui, acho que não há idioma mais lindo do que o português. Mas musse não cola. Tantas sobremesas brasileiras foram batizadas com nomes que fazem jus à preciosidade culinária que são. Alguém reclama do nome do suspiro? Um bem-casado não tem cara de outra coisa. Não há diferença entre o beijinho que se rouba de alguém e o que se descobre solitário entre brigadeiros de um bufê de aniverário. E o sonho, então?
Observando meus amigos se deleitando com o musse de chocolate é que encontrei uma possível solução para este problema, sem, no entanto, macular a receita francesa, e buscando respeitar a brasilidade em voga no momento. Durante a hora da sobremesa, afinei meus ouvidos e percebi um concerto de pequenos ruídos invadindo a sala. De olhos fechados, escutava os estalos que se davam com as línguas nos lábios. Som, aliás, muito parecido com o de um beijo. No meu mundo onírico, meus convidados não estavam comendo o musse, eles estavam, sim, trocando carícias.
Mas aviso: se você é dado a purismos, essa é a hora perfeita para mudar de blog. Pois bem, que tal muxoxo? Sim. Muxoxo de chocolate. Perceba que só a articulação da palavra muxoxo já provoca uma certa frouxidão labial, tal e qual é a sensação do musse se desmanchando na boca. Muxoxo. Muxoxo. Vamos, repita comigo: muxoxo, muxoxo. A língua titubeia em agir, nem sabe mais para que está ali. Assim como não sabe o que fazer quando disputa seu lugar com o musse na boca. Tente falar muxoxo encostando a língua no céu da boca. Viu? Não dá. Então, não achei o nome perfeito? Muxoxo, muxoxo de chocolate.

Muxoxo de chocolate (mousse au chocolat)
(do livro Die Grosse Schule des Kochens – Anne Willan)

Ingredientes para 4 porções
· 175 g de chocolate meio-amargo picado
· 4 colheres de sopa de café preto forte ou água
· 4 ovos separados, em temperatura ambiente
· 15 g de manteiga em temperatura ambiente
· 1 colher de sopa de rum ou 1 colher de sobremesa de essência de baunilha
· 45 g de açúcar refinado

Modo de preparo:
1. Derreta o chocolate com o café ou a água em fogo baixo, mexendo sempre. Deixe engrossar um pouco, mas que ainda escorra da colher.
2. Retire do fogo e acrescente uma a uma as gemas até atingir uma consistência cremosa. Adicione o rum ou a baunilha e mexa vigorasamente. Deixar esfriar até atingir a temperatura da pele.
3. Bata as claras, adicione o açúcar e continue batendo até fazer picos. Misture bem um terço das claras batidas com o creme de chocolate. Adicione o restante das claras e misture delicadamente.
4. Despeje em uma tigela ou faça porções individuais. Deixe na geladeira por no mínimo 2 horas. Decore com nata batida se quiser.

DICAS:
*Como o muxoxo é feito com claras cruas, deve permanecer até o consumo dentro da geladeira e não mais do que um dia. E pelo mesmo motivo também não é indicado para crianças.
**Já tentei fazer metade da receita mas o resultado não ficou bom. Se você fizer o dobro, opte por porções individuais pois o peso de uma porção muito grande acaba “achatando” as claras.
***Eu usei chocolate com 60% de cacau.