sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Querido Papai Noel vírgula

Há mais de três décadas ensaio escrever uma carta que não contivesse apenas uma listinha de desejos. Por não acreditar na sua existência que protelei por tanto tempo. Em raros momentos de recaída que, pressionado por minha mãe e influenciado pela fantasia da garotada à volta, deixei o ceticismo de lado para enviar meus humildes pedidos de natal. Mas mesmo que alimentasse esperanças em ser surpreendido por um mimo seu, sempre fui prevenido de que você era pessoa ocupada e, por isso, não atenderia a todos os desejos nem aceitaria reclamações. Se chegou por aí essa notícia, no entanto, de que deixei de acreditar em você, desconsidere. Hoje, tenho certeza. Papai Noel, você existe, sim. Por isso, se sobrar um tempinho entre um despacho e a visita ao barbeiro, peça a um anão daí que me envie as cartas com meus desejos de volta. A conselho do meu terapeuta, eu vou queimá-las. Atos simbólicos como esse redimiriam a culpa resultada dos anos de ódio e repulsa que alimentei por você. Por que o arrenego todo se transformou em culpa, é coisa que Freud explica. Eu sei é que odeio você, Papai Noel. Apesar das boas ações de uma doçura de menino, nunca encontrei sob a árvore de natal o presente que desejara.

A regra em casa ditava direitos iguais aos irmãos. Sou o caçula, cinco anos mais novo. Nem por isso, mimado. Por que se gastava tempo embalando meus presentes é uma pergunta que ainda farei. Sempre ganhei o que meu irmão ganhou. Cinco anos mais tarde, mas sempre o mesmo presente. Aos quatro, me lembro bem, abri aborrecidamente o pacote que continha uma corrida de pílulas. Num tempo de jogos virtuais como os de hoje, seriam necessárias horas para esclarecer no que consistia aquele brinquedo. Deixo de lado. Importante é dizer que já brincava há um bom tempo com a cópia envelhecida que meu irmão ganhara cinco anos antes. Aos nove, ganhei um triciclo. Eu! Eu que já subia e descia desatinadamente a rua com a bicicletona do vizinho. Fui a primeira pessoa no mundo que desaprendeu a andar de bicicleta. Talvez seja um engano morfológico, mas uma roda a menos não faz de um triciclo uma bicicleta. E tudo isso, por causa do tardonho do meu irmão que ainda, aos nove, vivia de joelho esfolado. Mas o apogeu foi o dia em que seria presenteado com a miniatura de uma ferrari conversível. Durante anos, babei ao ver meu irmão brincar com o carrinho reluzente que ganhara aos doze. Fascinante era o dispositivo ultra-moderno no pára-choques do carrinho. Ele não caía da mesa, não rolava escada abaixo. Era bate-e-volta. Pacientemente, esperei por aquele dia. Treinara até certa surpresa dissimulada, com a qual comoveria a família ao abrir o embrulho. Porém a alegria durou até o momento em que perguntei pelas baterias da ferrari. O carrinho não andou naquele dia nem no dia seguinte nem nunca até hoje. Meus pais, temendo mudanças no mercado, haviam comprado anos antes dois carrinhos. Um para meu irmão e um igualzinho para mim. Só as baterias que não. E elas não existiam mais.

Mesmo hoje, morando longe da família, os torpores natalinos continuam. Trocamos agrados via correio. Suspirei algumas vezes antes de abrir a caixinha entregue há pouco. Um inocente sentimento de ainda poder ser surpreendido tomou conta de mim, enquanto deslizava o canivete entre as fendas unidas com fita adesiva. Mas a primeira lufada do ar comprimido lá dentro confirmou o que já sabia. Voltei àquele tempo. Do prato de papel decorado com um galho de pinheiro. Dos papais noéis de chocolate. Das castanhas e das avelãs. Dos biscoitos confeitados. Do dinheirinho enrolado, amarrado com uma fita de cetim vermelha. Para esse presente não havia espera nem distinção. Entretanto, enquanto os outros gozavam dessas idéias comunistóides e se aproveitavam do prato, eu, mais uma vez, engolia minha insatisfação reacionária. É que entre os doces jazia uma iguaria que detestava. Bananas-passas. Eu odiava bananas-passas. E tê-las encontrado agora na caixa de presente, só faz confirmar que ainda odeio. Logo da primeira vez, declarei abertamente meu desgosto. Se minha mãe tomou por ofensa ou se acreditou que algum dia eu mudaria minha opinião, eu não sei. O fato é que em todos os natais da minha vida, querendo ou não, as bananas-passas sempre decoravam o meu prato de doces. Como devoluções estavam fora de questão, precisei usar a imaginação para dar um fim nas tais bananas amumiadas. Meu cachorro Leopoldo teve dias de dieta macrobiótica. A hortinha lá do fundo foi adubada antes do tempo. O homem que batia pedindo pão não compreendeu mas acabou comendo. E na segunda vez, eu entendi que só passava uma a uma privada abaixo.

Como você pode ver, não há motivos para gostar do natal, senhor Noel. Díficil é se esquecer dele, se todo calendário pinta a data de vermelho. Nem fugir não dá, pois é quando todos batem à porta. O tempo passa e entre as contas a acertar está a de fazer as pazes com os pais daquele tempo. Por saber ser inútil culpá-los pelos tapas que deram, é que expio em você toda a lástima de outrora. Só um velho desalmado como você para deixar que a criança esperasse que seria sempre o próximo, e não aquele, o melhor natal. Você é um gagá. Você é um caduco. Se eu pudesse culpar alguém por fazer me sentir apenas vulto num tempo em que me tornava gente, culparia você. Ah, Papai Noel, você não existe mesmo!

4 comentários:

Juh Girardi disse...

Adorei o textoo!!
Mas quanta revolta não??
Manda as bananas passas pra cá! hehehe

Beijos
Juh

Bigode de chocolade disse...

Tarde demais... visitei o Zoo hoje à tarde.

Juh Girardi disse...

Ohh nãooo.... eu levaria meus pais à falência! rsrs
=))

Juliana Vermelho Martins disse...

Puxa... eu com os padres e vc com o papai noel... Que dupla formamos!

Mas saber, depois de anos, que você teve um cachorro e que ele se chamava Leopoldo foi o maior choque pra mim!

(mais uma coisa: acho que vou te demitir do posto de assistente do papai noel... tsc tsc... e ela ficou tão feliz...)