terça-feira, 24 de novembro de 2009

Quem não tem cão…

RISOTO NEGRO COM MOLHO DE ERVILHAS E CHOURIÇO

- Alô?

- Alô. Tô ligando pra dizer que a gente já tá saindo. E pra perguntar se a tua frigideira é grande ou pequena.

- Frigideira, frigideira. Não sei. E não dá para abrir o armário porque acabei de pintar a unha. Lasca tudo.

- Tudo bem. Me diz então quantos ovos estrelados cabem na frigideira. Assim, imagino o tamanho.

- Ovo? Eu nunca fritei ovo. Sei lá, acho que ela é pequena.

- Tá bem, a gente leva a nossa. Como tá tua geladeira, muito cheia? Tô perguntando que é pra ver se cabe a pannacotta. Ou você não pode abrir a geladeira também porque lasca a unha?

- Ela já tá aberta. Tô usando a luz da geladeira pra pintar a unha. É superclara. Guardo o esmalte na geladeira também. Ouvi dizer que conserva por mais tempo. Mas tem espaço para a sobremesa, sim. Delícia!

- E papel alumínio, cê tem?

- Pra quê?

- Pra embrulhar os aspargos.

- Não serve sacolinha de supermercado? Eu tenho um monte.

- Não. Eu preciso pra cozinhar os aspargos.

- Se você esperar uma meia horinha, eu olho na gaveta. Mas agora não vai dar que lasca.

- É, já sei. Sabe, eu acho que vou levar pronto daqui. Já deixei os peitos de pato marinando. A gente chega aí com quase tudo pronto.

- E eu que já estava esperando um showzinho de culinária.

- Não se preocupe. Ainda tem muito pra fazer. Já secou?

- A unha? Não. Ainda falta a segunda camada, sabe?

- Sei. Vou carregar alguns dos meus equipamentos só pra garantir.

- Ótimo.

- Cê tem óleo?

- De massagem?

- Não! De cozinha. Para fritar os peitos de pato.

- Não.

- Vinagre?

- Não.

- Manteiga?

- Não.

- Açúcar?

- Eu tenho adoçante de pacotinho.

- Meu deus. Fiquei com medo de perguntar se você tem sal. Vai me dizer que só tem sais para banho?

- Eu tenho sim.

- Refinado ou grosso?

- De banho.

- E no teu barzinho? Tem xerez?

- O que é isso?

- Nem vinho branco?

- Tem coca light. Serve?

- Bem, parece que a gente vai chegar com uma meia hora de atraso. Até eu juntar tudo, vai demorar um pouquinho. Quando a unha secar, você põe a mesa, por favor. Eu chego e vou direto pra cozinha, ok? Prato você tem, ou não?

- Desse jeito você me ofende. Só não tenho colherinha de sobremesa.

- Eu levo. Antes de sair de casa, eu telefono de novo pra te lembrar de ligar o forno. Assim a gente ganha tempo.

- Forno?

- Você tem forno e fogão. Ou não tem?

- Claro que tenho.

- Então? Pode regular na temperatura bem alta.

- Mas e a Mimi?

- A tua gata? Que tem ela?

- A caminha dela é lá dentro.

- A tua gata dorme no forno?

- É. Ela tá olhando pra mim agora. Que bonitinha. Oi, Mimi. Vem, vem aqui com a mamãe, vem. Ih, ela não quer sair. E eu não posso tirar ela de lá agora, não. Minha unha não secou ainda.


Risoto negro com molho de ervilhas e chouriço frito

(adaptado de Essen & Trinken, maio 09)Este é definitivamente o melhor risoto que provei até hoje. O tutano funciona como um emulsificante que mantém a cremosidade do prato já quando morno. A tintura de lula quase não acrescenta sabor e poderia ser substituída por açafrão. Mas o contraste do negro profundo do arroz com o vermelho do chouriço dá à receita um certo caráter pictórico que quase - eu disse quase! – se sobressai ao sabor.

Ingredientes para 4 porções:

  • aprox. 100 g de tutano de boi
  • 150 g de ervilhas frescas
  • 100-150 ml de água mineral
  • 800 ml caldo de galinha
  • 80 g de chalotas ou cebolas roxas
  • 40 g de manteiga
  • 4-5 colheres de sopa de azeite
  • 200 g de arroz arbório
  • 1 folha de louro
  • 100 ml de xerez
  • 100 ml de vinho branco
  • açúcar
  • 10 g de queijo parmesão ralado fresco
  • 1 colher de sopa de tintura de lula
  • 4 porções de fatias grossas de chouriço
  • sal e pimenta do reino moída na hora
Modo de preparo:

  1. Deixe o tutano banhando em água gelada. Cozinhe as ervilhas em água levemente salgada por 2-3 minutos. Escorra. Bata no liquidificador com água mineral. Passe pela peneira e reserve.
  2. Pique o tutano. Aqueça o caldo. Pique as chalotas. Aqueça 20 g de manteiga com 2 colheres de azeite em uma panela rasa. Refogue as chalotas por dois minutos. Acrescente o arroz e o louro e refogue. Despeje o vinho e o xerez e cozinhe em fogo alto até evaporar. Despeje o caldo, o suficiente para cobrir o arroz, e cozinhe por aprox. 18 minutos. Mexa de vez em quando. Depois de 10 minutos, acrescente o tutano e mexa. Acrescente mais caldo e continue mexendo. Tempere com sal e pimenta.
  3. Aqueça o molho de ervilha. Tempere com sal, pimenta e açúcar. Aqueça o azeite restante e, em fogo médio, frite as fatias de chouriço. Tempere com sal e pimenta. Misture a manteiga, a tintura e o parmesão ao risoto e deixe descansar um pouco.
  4. Despeje o molho sobre pratos aquecidos, divida o risoto e cubra com o chouriço.

DICA: Se não encontrar chouriço, experimente com linguiça calabresa.

TEXTO: Quem não tem cão…

Aspargos ao forno com peito de pato e mamão

(adaptado de Essen & Trinken, junho 09)Aspargo e peito de prato normalmente não são ingredientes para iniciantes na cozinha. Era o que eu achava. Depois que descobri esse método de preparar aspargos, nunca mais tive como resultado aquele legume molenga parecido com o que sai do vidro de conserva. Preparado no forno, mesmo passando alguns minutos do tempo, o aspargo mantém a consistência firme. E quanto ao peito de pato, não há segredo. Eu prefiro degustá-lo com a carne ainda vermelha. Se você achar que não está no ponto, leve ao forno por mais alguns minutos. Esse método é ideal para preparar também peito de frango com pele. Nesse caso, reduza a temperatura do forno para aprox. 160°.

Ingredientes para 4 porções:

  • 20 g de gengibre fresco
  • 1 pimenta vermelha
  • 1 dente de alho
  • 3 colheres de sopa de molho de soja
  • 2 colheres de sopa de molho de hoisin (marisco)
  • 2 peitos de pato (aprox. 300 g cada)
  • 500 g de aspargos frescos
  • 2 talos de capim limão
  • 4 colheres de sopa de manteiga
  • sal e açúcar
  • 2 colheres de sopa de vinagre de vinho branco
  • 2 colheres de sobremesa de açúcar marrom
  • 2 colheres de sopa de suco de limão
  • 1 colher de sobremesa de mel
  • 1 mamão papaia verde
  • 1 colher de sopa de óleo
  • brotos de rabanete para decorar
Modo de preparo:

  1. Descasque o gengibre e rale, reserve uma colher de sobremesa para mais tarde. Pique o alho e a pimenta. Misture os molhos com o alho, a pimenta e o gengibre ralado e despeje sobre um recipiente raso. Faça cortes diagonais na pele do peitos de pato. Deixe os peitos marinando com a pele para cima por uma hora.
  2. Raspe os aspargos, eliminando a parte fibrosa. Corte fora a parte seca final e descarte. Corte os talos de capim limão longitudinalmente. Corte 4 quadrados de papel alumínio e distribua igualmente os aspargos e o capim limao. Tempere com sal, açúcar e pedacinhos de manteiga. Dobre os quadrados de papel alumínio, formando pacotes.
  3. Misture o vinagre, o açúcar, o gengibre reservado, o suco de limão e o mel. Descasque o mamão, divida ao meio, raspe as sementes e corte em fatias finas. Despeje a marinada sobre o mamão fatiado e reserve.
  4. Aqueça o forno a 220°. Leve os aspargos para assar por 45 minutos. Enquanto isso, seque os peitos de pato. Não descarte a marinada. Aqueça o óleo e frite os peitos com a pele para baixo por dois minutos. Vire e frite por mais 30 segundos. Coloque os peitos com a pele para baixo sobre uma forma e leve para assar na parte inferior do forno por 8-10 minutos.
  5. Retire os peitos do forno e deixe descansar por 5-10 minutos. Cozinhe a marinada na frigideira onde se fritou os peitos. Corte a carne em fatias.
  6. Arranje os aspargos com as fatias de peito de pato em pratos aquecidos. Regue com a marinada. Sirva com o mamão e decore com os brotos.

DICA: Se você não encontrar aspargos brancos frescos, use os verdes. Mas pode ser que necessitem de mais alguns minutos no forno.

TEXTO: Quem não tem cão…

Pannacota de chá de jasmim com calda de maracujá

(adaptado de Essen & Trinken, maio 08)
O sabor dessa sobremesa é bastante exótico e pode ser que não seja indicado para crianças. O sabor da pannacotta depende muito da qualidade do creme de leite utilizado. Evite, portanto, utilizar creme de leite de latinha. Ao levar à geladeira, não esqueça de cobrir a sobremesa com filme plástico. Dessa forma, a pannacotta não absorverá os odores que flutuam lá dentro, mantendo, assim, sua alma “tântrica”.

Ingredientes para 4 porções de 125 ml:
  • 4 folhas de gelatina
  • 500 ml de creme de leite fresco
  • 30 g de açúcar
  • 10 g de chá de jasmim (chá verde ou preto e flores de jasmim)
  • 4 maracujás e açúcar a gosto

Modo de preparo:

  1. Hidrate a gelatina em água fria. Leve o açúcar e o creme para ferver. Retire do forno e deixe esfriar um pouco (80°). Adicione o chá e deixe descansar por 10 minutos.
  2. Passe o creme por uma peneira, pressionando bem o chá. Aperte bem as folhas de gelatina para retirar a água e dissova-as no creme de leite aromatizado. Despeje em formas de 125 ml e leve para gelar por 5 horas no mínimo.
  3. Retire a polpa dos maracujás e leve para ferver com um pouco de água. Adoce a gosto. Passe por uma peneira e reserve algumas sementes para decorar.
  4. Mergulhe as formas em água quente e passe uma faca pelas bordas para que as pannacottas se soltem. Vire sobre os pratos e sirva com a calda.

DICA: É para valorizar o sabor do chá de jasmim que essa sobremesa não leva muito açúcar. Se você achar pouco doce, ao invés adoçar a pannacotta, acrescente mais açúcar à calda de maracujá.

TEXTO: Quem não tem cão…

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Vizinha é para essas coisas.

FRANGO AO MOLHO DE LARANJA
MINHA CREMA CATALANA
SORBET DE CHOCOLATE COM PIMENTA DA JAMAICA

- Entra. Pontual como sempre, hem? Tá tudo pronto. Eu já vou servir. E hoje a cabeceira da mesa é toda sua - assim pode passar a noite olhando para o bonsai que você matou de sede. Você disse que eu podia viajar sossegado que molharia minhas plantas. Duas semanas sem água nem camelo aguenta. Só porque choveu alguns dias por aqui é que as plantas da sacada ainda estão verdes. Você nem pisou lá fora. Mas sei que esteve aqui dentro. Mais de uma vez, talvez. Tem vestígio de animal faminto em tudo quanto é canto do apartamento. Sei muito bem quem andou lambuzando o dedo nos meus potes de geleia. Quantas horas de tevê com o vidro de biscoitos entre as pernas foram necessárias para forrar o sofá de migalhas? A pizza você encomendou daqui, eu sei. Não matei essa charada verificando o último número discado. A prova foram as toalhas de papel melecadas de gordura, estofadas no fundo do lixo da cozinha. Mas o fim foi descobrir o golão de vinho do porto que faltava na garrafa. Justamente a rareza presenteada, com a qual, gota à gota, me desenfado do rigor dos meus dias.

- O frango é com um molho de laranja e mel. O licor e a geléia dão uma amargadinha. Acho genial. E cuidado com os palitos. Estão ali para prender o bacon nas batatas - a não ser que queira escabichar sua boca com os palitos, a fim de capturar entre os dentes um ou outro pedacinho de frango deixado para trás. Não costumo levar paliteiro à mesa. Há sempre fio dental à mostra no banheiro. Quem precisar, sinta-se à vontade. Se sua afobação, porém, for insustentável e o caminho até o banheiro longo demais, faça o que lhe digo. Com a cara de finório, que só você tem, levante-se da mesa e vá em direção à janela. Bem lá onde meu bonsai sucumbiu à negligência humana. Diga a todos que escutou algo do outro lado da rua, um ruído estranho no seu jardim. Então, capeie a plantinha com seu corpo e, enquanto pigarreia algum resto de comida na garganta para disfarçar, quebre um dos galhos do bonsai mirrado. Ali, de costas para toda a vizinhança convidada, faça o servicinho de porco. Desta vez, no entanto, não deixe rasto pelo caminho. Engula tudo, tudinho junto com sua culpa.

- A crema catalana é receita minha. E quero ver se adivinha a especiaria usada para incrementar o sorbet - mas se não souber a resposta, não há por que se sentir coagida, pois, afinal, o jantar é pra você. Não falei que pagaria o favorzão com comida das boas? Antes de bater na sua porta, você lembra?, nossos carrinhos já haviam se cruzado no supermercado. De um lance constatei que sua despensa seria composta apenas por latas e pacotinhos e que na sua geladeira resfriaria solitário um vidro de ketchup. E agora você está aqui, na minha mesa, participando da pândega de sabores que lhe preparei. Então, por que esse olhar de través? Os convidados estão apenas se divertindo com a casquinha quebradiça do caramelo. Por que a cara de tacho, meu deus? É a humilhação, pois desconhece a especiaria no esconde-esconde de aromas do sorbet de chocolate? Ou será o recato, porque depois do imprevisto saboroso das primeiras-vezes, não encontra mais lugar para ocultar tantos orgasmos sob a toalha da mesa? Eu quero mais é ver você encolher de vergonha para poder pinçar seu corpinho diminuto com os dedos e içá-lo até aonde jaz o meu bonsai. Provavelmente, a festa já terá acabado, quando escutarei o estalido do galhinho, de onde você se esganiçava, quebrar-se. Então, mas só então, me despediria para sempre de minha arvorezinha querida.
- Que é isso? Não precisa agradecer. Foi um prazer. E não se preocupe. Antes de você viajar, deixe a chave na caixa do correio que eu molho, sim, eu molho todas as plantas pra você. Afinal, vizinho é para essas coisas.

Frango ao molho de laranja, mel e azeitonas pretas

(adaptado do livro Crossover Küche de Eckart Witzigman)A grande vantagem desse prato é que a carne é assada junto com o acompanhamento. Por conta das azeitonas pretas e do colorido do molho, dá para dizer que até a decoração foi ao forno também. Esse prato pode ser preparado com bastante antecedência. Arranje o frango e as batatas no forma, cubra e deixe na geladeira até a hora de ir ao forno. O molho também pode ser feito um dia antes.

Ingredientas para 4 porções:
· 4 coxas e 4 sobrecoxas de frango
· sal e pimenta branca
· 16 batatas pequenas descascadas
· 16 raminhos de alecrim (a ponta dos ramos)
· 8 fatias finas de bacon cortadas ao meio
· pimenta do reino
· 1 colher de sopa de óleo vegetal
· 1 colher de sopa de manteiga derretida
· 2 colheres de sopa de mel
· o suco de 4 laranjas
· 2 ou 3 colheres de licor de laranja (Grand Marnier, por ex.)
· 3 colheres de sopa de geléia de laranja
· a casca de 1 laranja cortada em tirinhas finas
· os filés de 1 laranja (os gomos sem pele e sementes)
· 12 tâmaras secas
· 80 gramas de azeitonas pretas

Modo de preparo:
1. Tempere o frango com sal e pimenta branca.
2. Envolva as batatas e os raminhos de alecrim com o bacon e prenda com uma palito. Tempere com sal e pimenta do reino.
3. Pré-aqueça o forno a 190°. Unte uma forma refratária com o óleo e a manteiga. Distribua as batatas, as coxas e as sobrecoxas com a pele virada para baixo. Leve para assar por 10 minutos. Vire o frango e pincele com o mel. Reduza a temperatura a 170° e deixe assar por aprox. 50 minutos. De vez em quando despeje água na forma (300 ml no máx.) e regue o frango com o molho.
4. Em uma panela, ferva o suco, o licor, a geléia, a casca e deixa cozinhar até que reduza à metade.
5. 10 minutos antes de frango ficar pronto, despeje a redução na forma e adicione os filés, as tâmaras e as azeitonas.

Minha crema catalana

Essa é uma sobremesa típica da Espanha. Parente do crème brûlée, também tem uma casquinha de açúcar caramelizado. Na Espanha, usa-se um ferro aquecido na brasa para queimar o açúcar, algo como um ferro para marcar boi. Eu usei um maçarico. Mas se você não tiver nem maçarico nem grill, deixe as cremas por uma hora no congelador, prepare um caramelo e despeje por cima. O resultado não é o mesmo, mas vale a pena para testar a receita.

Ingredientes para 5 porções de aprox. 150 ml:
· meio litro de leite
· 100 gramas de amêndoas sem casca e pele, levemente tostadas
· 100 g de açúcar
· 5 gemas de ovos
· 1 colher de sopa rasa de farinha de trigo
· a casca de uma laranja (sem a pele branca)
· ½ pau de canela
· 1 pitada de sal
· aprox. 100 ml de creme de leite fresco
· açúcar para caramelizar

Modo de preparo:
1. No dia anterior, bata as amêndoas com o leite no liquidificador. Leve a mistura para ferver. Retire do fogo, acrescente a casca da laranja e a canela e deixe esfriar. Deixe na geladeira por 24 horas.
2. Ferva novamente. Passe por uma peneira, apertando bem com uma concha de sopa. Descarte o resto. Acrescente o creme de leite (o suficiente para completar 500 ml).
3. Em uma bacia, bata as gemas com o açúcar, o sal e a farinha até obter uma espuma. Adicione o leite aromatizado ainda quente e misture bem.
4. Despeje tudo em uma panela limpa e cozinhe em fogo baixo, mexendo sempre até adquirir a consistência de um creme.
5. Imediatamente, divida a crema em formas chatas e deixe esfriar em temperatura ambiente. Cubra com filme-plástico e leve à geladeira.
6. Espalhe uma colher de sopa de açúcar sobre cada crema e caramelize com um maçarico ou sob o grill.


Sorbet de chocolate com pimenta da jamaica

(da Bookazine Der Feinschmecker n. 14)Servi esse sorbet sobre o caramelo já resfriado da crema catalana. Não prepare o sorbet com muita antecedência. Ele pode endurecer no freezer. Se isso acontecer, você ainda poderá raspá-lo com uma colher para fazer as bolas. Melhor é preparar na hora. Combina bem com bananas flambadas ou com salada de laranja.

Ingredientes para 4 a 8 porções:
· 100 g de chocolate amargo (64% de cacau)
· 1 colher e meia de grãos de pimenta da jamaica
· ½ fava de baunilha
· 50 g de açúcar orgânico
· 20 g de cacau
· 1 pitada de sal

Modo de preparo:
1. Pique o chocolate. Esmague os grãos de pimenta. Corte a baunilha longitudinalmente e raspe as sementes da baunilha. Não descarte a fava.
2. Em uma panela, despeje meio litro de água e acrescente todos os ingredientes. Ferva por 2 minutos. Deixe esfriar.
3. Passe por uma peneira e leve a geladeira.
4. 30 minutos antes de servir, despeje o líquido gelado na sorveteira.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Férias 2: A redenção.

BOLO KOUGLOF8° dia. O céu caiu na noite passada. Algum anjo, contudo, resguardou nossa cama das goteiras que rumurejavam por toda a casa até alta madrugada. O perigo vinha de baixo. As ruas da pequena Elne enfrentaram um cataclismo aquático – furor que levaria um templário de outrora a validar ou até infirmar o seu temor a Deus. Mas a água não chegou aqui em cima. E mesmo se fosse o caso, ainda levaria um bom tempo; daí nossas férias já teriam acabado.
A chuva lavou toda aquela caca imunda, o que nos animou a desbravar a pé os arredores da cidade. Era dia de feira-livre. Eu poderia ficar horas descrevendo minha experiência sinestésica na terra dos gourmets e parfumeurs, porém me encontro num estado de tremenda estupefação. Estava embevecido pela abundância das cores, aromas, texturas e sabores com que me deparei nas barracas da rua. Isso tudo caiu do céu com a chuva? Não vai dar mesmo para relatar tudo em minúcias porque a imagem singular de um tomate maduro perfurou minha retina, rompeu o córtex cerebral e se cauterizou para sempre no subconsciente de minhas lembranças mais notáveis. Eu fui, sim, traumatizado por um tomate maduro e, acredite ou não, ele está ainda aqui, tridimensionado, entre mim e a folha de papel virtual.
Por piada, fui fotografado. Mais tarde, penalizei-me com a perplexidade daquele triste homem que, estatuado com a vermelhidão do tomate maduro, bloqueava o caminho dos turistas. Devorei o tomate ali mesmo, sem modos, limpando os beiços com as costas da mão. Então, eu soube que nada seria como antes, nenhum gosto, nenhuma textura. A experiência do tomate relativizara todo meu entendimento do mundo sensorial até o momento. Os parâmetros haviam mudado. Dali para frente seria necessário reeducar os sentidos. E me refiro a todos os cinco sentidos, é claro, pois é o tomate vermelho em frente ao meu nariz que está ditando o texto para mim.
P.S. Não vou pensar nisso agora, mas sei que todo o encantamento vai dar lugar à fúria assim que me deparar com a montanha de tomates verdes do supermercado lá de casa. Por que os tomates que compramos não são assim maduros e encarnados como os do marché français. Por que estão tentando enfiar na nossa cabeça que tomate verde é tomate maduro? Por quê? Peça a uma criança para que desenhe um tomate. Sem titubear, ela vai pegar a canetinha vermelha. Ainda que seu sabor pareça estar definitivamente perdido para nós, a cor do tomate maduro sobrevive no nosso inconsciente coletivo. E ela é vermelha. Vermelha!
13° dia. Salut, comment ça va? Hoje não dá para escrever muito. Qualquer coisa que escreva vai parecer devaneio etílico. Por isso, vou tentar ser rápido e objetivo. Tentar, pois o vinho subiu à cabeça já há um tempinho. E que vinho, meu deus. Sabe que escalei de quatro as escadas até o quarto? Um medo de cair! Era assim ou de bunda, degrau por degrau.
Estou saciado e bêbado. Comemos como deuses. Bebemos desvairadamente. Foi bom ter alugado uma choça com cozinha pois, mesmo dividindo espaço com mosquitos patriotas que assubiam la marseillaise durante a noite, acabamos economizando o dinheiro para o jantar de despedida. O que comemos, eu já esqueci. Os sabores du terroir, contudo, vão me acompanhar até o julgamento final.
Você me conhece e sabe que fico estabanado quando me alegro um pouco. O último copo virou sobre a mesa, manchando a toalha engomada. O vinho escorreu e pingou nos meus pés. Foi aí que eu percebi que estava de havaianas. Há treze dias não visto um calçado sequer, você imagina? O dia de hoje vai para o compêndio de eventos hilários da família – o dia em que fui de chinelo de dedo a um restaurante francês. E quer saber por que não percebi isso antes? É que eu já estava feliz antes de entrar lá. Vive la France.
14° dia. Chegamos em casa. Foi atravessar a porta para já avistar o relógio de pulso que larguei sobre a mesinha antes de viajarmos. O tempo voltou a correr. Mas retornei rejuvenescido e um tanto mais sensato. Na última visita à uma loja de quinquilharias, encontrei uma forma de cerâmica de kouglof. Acabei comprando e, ao abandonar a loja, tive uma estranha sensação de alívio, como se, há muito, procurasse pela forma.
Já havia visto uma dessas em algum mercado de pulgas por aqui. Ficava imaginando a avozinha morta que deixara para trás todo um arsenal de cozinha ou até parte de um enxoval intato, já amarelecido pelos anos. Nunca me encorajei a comprar uma forma usada. Se não são os herdeiros, aqueles que continuarão a contar os domingos da vida com bolos em família, ninguém mais será. Hoje tudo é imediato. Forma de silicone não se passa para a próxima geração. Talvez, e ainda, receitas.

Como não terei herdeiros, é melhor parar logo de ser nostálgico. Comprei a forma para coroar a viagem à França. Ela vai envelhecer comigo. Reviveremos a cada fornada a alma alegre dos dias passados por lá. Pode ser que eu viva muito e e ainda tenha histórias para contar. Mas pode ser também que a forma se quebre e meus interesses descambem e resvalem em outras direções. É, tudo pode ser. Você tem tempo amanhã? Tá a fim de ver outras fotos da viagem? Eu asso um bolo.

FÉRIAS 1: A CULPA.

Bolo Kouglof

(adaptado de Desserts. Meine Lieblingsrezepte de Michel Roux)O kouglof é um bolo tradicional da Alsácia. Devido à quantidade de manteiga utilizada e ao modo de preparo, pode-se dizer que a massa do kouglof é a mesma que a de um brioche. O que muda é a forma do bolo. Ao trabalhar a massa, evite acrescentar mais farinha. Isso altera o resultado final. A massa é pegajosa mesmo.

Ingredientes para uma forma com 20 cm de diâmetro:

  • 12 g de fermento fresco
  • 60 ml de leite morno
  • 7 g de sal
  • 250 g de farinha de trigo
  • 3 ovos
  • 175 g de manteiga amolecida
  • 35 g de açúcar
  • 100 g de uvas passas
  • 50 ml de rum
  • amêndoas descascadas para decorar
  • manteiga para untar a forma.

Modo de preparo:

  1. Misture as passas com o rum e deixe macerando por várias horas ou até o dia seguinte.
  2. Em uma tigela de batedeira, dilua o fermento e o sal com o leite forno. Acrescente a farinha e os ovos e, com os ganchos, bata a massa por dez minutos, até atingir uma consistência bem elástica. Misture a manteiga com o açúcar e, com a batedeira em movimento, acrescente a manteiga em 3 vezes à massa. Bata por mais 5 minutos, até a massa ficar brilhante.
  3. Cubra a tigela com um pano de prato e deixe descansar por 2 horas, até que a massa dobre de volume.
  4. Aperte a massa com as mãos, retirando todo o ar. Cubra a tigela com um filme plástico e leve à geladeira várias horas, porém não mais que 24 horas.
  5. Escorra bem as passas e descarte o rum.
  6. Unte a forma com manteiga e disponha as amêndoas no fundo.
  7. Sobre uma superfície levemente enfarinhada, despeje a massa e acrescente as passas maceradas. Forme uma bola. Com cuidado coloque a massa na forma e deixa crescer por aprox. 45 minutos.
  8. Pré-aqueça o forno à 200°. Asse o kouglof por 35-40 minutos e desenforme ainda quente.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Férias 1: A culpa.

PÃO RÚSTICO COM FERMENTO DE MAÇÃ
PÃOZINHO DE MARSELHA

1º dia. Bonjour. Chegamos. Cruzar a fronteira não foi algo mágico como todos anunciaram. Bem que eu disse que em posto de estrada só se encontra baguette murcho. Mesmo assim resolvi dar uma chance para o café. Com meu francês arcaico, pedi um café au lait - uma média, pra gente. A mademoiselle parece não ter entendido e me veio com um cafezinho aguado. Café au lait, eu disse. Ca-fe-o-lê!

Ela deu um sorriso escarninho e não tirou o pé do lugar. Daí, lançando um olhar acirrado que perfurou minha testa como um laser, mergulhou a mão numa caixa de sapato encardida e tirou de lá um sachezinho de leite em pó. Insolente, a moça rasgou o papel e derramou o pó na xícara. Café au lait, ela disse. Café au lait. E eu pensei: bienvenue en France.

3º dia. Falei que nossa maison fica numa cidade medieval? Pois é. E parece que o tempo parou por aqui. Férias planejadas às cegas e em sites obscuros da internet não podem acabar bem. Reservado, tínhamos uma casinha com sala, cozinha, quarto e banheiro. O que não imaginávamos, porém, era que os cômodos viriam um em cima do outro. Isso mesmo. Da rua você cai direto no banheiro. No primeiro andar, a cozinha. Mais acima vem a sala e, por último, com vista panorâmica, vem o quarto, que também pode ser usado como estufa durante o dia.

A gente tem que pensar duas vezes se toma um vinhozinho antes de dormir. O último gole pode ser fatal. Três andares só para fazer xixi! Não é à toa que naquela época se jogava tudo janela afora. E tem mais. O pé daquela gente deveria ser minúsculo. Descer essas escadas é pura acrobacia. E subi-las me faz pensar que teria sido bom tomar aulas de ballet quando era criança. 7º dia. Ao planejar essas férias antiestresse, visualizei meu descanso em detalhes de luz e cor. Eu seria como um personagem de um quadro de Renoir. Em algum boulevard daqui, resfolegado numa cadeira de arame, degustaria meu petit déjeuner sob raios de sol filtrados por árvores copadas. Sobre a mesinha pintada pela imaginação, o journal de qualquer data dividiria espaço com o croissant amanteigado e dourado, a corporificação da aurora que me acompanharia até o cair da tarde.

Bem, o cenário de minhas manhãs reais não é assim tão impressionista mas o melhor croissant do mundo fica a apenas 200 metros daqui. O preço, no entanto, é salgado como o suor de um atleta que acabou de disputar uma corrida de obstáculos. E necessito de tal aptidão olímpica para chegar à boulangerie todas as manhãs.

Se não pulo, se não desvio, transponho e driblo como um desportista, acabo não safando meus chinelos da armadilha pegadiça deixada para trás por centenas de totós franceses. Você sabe a que me refiro – merde! É tanta que até perco o prumo e, portanto, também a finesse - seria uma afronta à cuisine nationale afirmar que os boulangers e patisseurs desse país se inspiraram nos excrementos caninos ao criar a doçaria invejada? Criatividade não surge, assim, do nada. E caso você passe por aqui, muito cuidado. Ainda que o calor do sol libere o fedor da porcariada e alerte os passantes, pode ser que toda a luminosidade pictórica dessas bandas acabe ofuscando a visão dos desatentos e aí... c'est de la merde. Os daqui acham até que dá sorte e os visitantes, graças aos tais arroubos culturais que se costuma ter em terras estrangeiras, vislumbram o caso com vista grossa: “foi apenas um boulanger trambolhão que, depois de horas de laborão, emborcou o tabuleiro para recobrir o chão com baguettes, crèmes, gâteaus, brioches, ecláirs, meringues e macarons, muitos macarons”. Au revoir.

Pão rústico com fermento de maçã.

(Adaptado de Grand Livre de Cuisine, Alain Ducasse)
Essa receita é ideal para pães leves, com porosidade média e casca crocante. A massa tem uma consistência firme e constante, o que permite moldar pães de vários tamanhos e formatos. Que Alain Ducasse me perdoe, mas pequenas adaptações foram necessárias. Porém, o perfume ácido do vinagre de maçã exalado durante o processo de fermentação foi a prova de que a receita não ficou devendo nada à original.

Ingredientes para a massa-mãe:
· 1 maçã
· 320 ml de água
· 500 g de farinha para pães

Ingredientes para a massa do pão:
· 500 g de farinha para pães
· 300-350 ml de água morna
· 1/3 ou aprox. 175 g da massa-mãe
· 12 g de sal
· 12 g de extrato de malte ou melado de cana
· 1 g de fermento fresco (a ponta de uma faca)
Modo de preparo da massa-mãe:
1. Pique a maçã com casca e sementes em pedaços pequenos.
2. Coloque os pedaços de maçã em um recipiente de vidro ou porcelana, acrescente a água, cubra com um tecido (não tampe!) e leve para fermentar em lugar escuro e seco por pelo menos 5 dias.
3. Coe, apertando bem até que a maçã solte todo o líquido. Descarte as sobras.
4. Misture a farinha com 350 ml do suco fermentado.
5. Trabalhe a massa por 5 a 10 minutos.

Divida a massa em 3 partes. Para essa receita, você precisará de apenas um terço da massa-mãe. O que sobrou pode ser guardado na geladeira por uns 10 dias ou congelado por até 3 meses. Descongele de um dia para outro na geladeira. Deixe em temperatura ambiente por cerca de 2 horas antes juntar à outra massa.
Modo de preparo da massa do pão:
1. Misture a farinha com a água e bata a massa por 5 minutos.
2. Acrescente a massa-mãe, o extrato de malte e o fermento e bata por mais 5 minutos.
3. Adicione o sal e sove por mais 1 minuto.
4. Cubra a massa e deixe descansar por 1 hora.
5. Forme os pães e deixe crescer de 3 a 4 horas em ambiente protegido de correntes de ar. 6. Pincele com água e asse em forno pré-aquecido à 220°.

Pão de Marselha

(Adaptado de Grand Livre de Cuisine, Alain Ducasse)

Para essa receita, utilizei uma porção da massa para pão rústico com fermento de maçã. Dá para uns 20 pãezinhos de 50 g cada.

Modo de preparo:
1. Divida a massa em porções de 50 g.
2. Forme bolas ovaladas e deixe crescer sobre superfície enfarinhada por cerca de 2 horas.
3. Faça 3 cortes diagonais em ambos os sentidos e deixe crescer por mais uma hora.
4. Pincele com água e enfarinhe.
5. Asse em forno pré-aquecido à 220° por 20-25 minutos.

Dica:
*Massas de pão têm vida própria. A umidade do ambiente, a pressão atmosférica e até o calor das nossas mãos podem influenciar no resultado final. Por isso, atente ao processo de crescimento da massa. Antes de ir para o forno, ela precisa dobrar de tamanho. Se isso acontecer antes do tempo indicado na receita, leve para assar. Caso cresçam demais, você corre o risco de obter pães chatos ou muito porosos.