terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O morango e o silêncio (parte 2)

Eu tinha seis anos ontem e para comemorar meu aniversário, meus pais resolveram visitar uma feira agropecuária. Tudo o que criança imagina de uma festa estava lá. Gente, torta de nata, palhaço e pônei. Os convidados, no entanto, eu desconhecia todos. Por esses, não esperava ser reconhecido como aniversariante. Tive que achar rapidinho o meu canto. Mas será que posso estar aqui? Foi um par de passos para chegar aos confins da feira e apenas um para transpor a linha que separa o dos outros daquele que é meu, e ninguém tasca, novo mundo. Era hora de bradar a alegria encolhidinha no peito, já  e sempre resignada aos bons modos da família tradicional.

O terreno eram canteiros paralelos cobertos de lona preta, eles partiam dali e acabavam em algum lugar, visível apenas para aqueles que podem dar saltos espetaculares. Caí de quatro para averiguar de perto os tufos verdes rebentando da lona. Eram plantinhas débeis aqueles morangueiros. Segundos depois, me pus de joelhos já sucumbido à tentação da gula, pela qual venho sendo perseguido toda a vida. Goela abaixo, fui empurrando um fruto após o outro. E não demorou muito para que os morangos, aquelas gotas vermelhas amarmeladas pelo sol, passassem, voluntariamente, a mergulhar em mim. A prova de que é doce a eternidade. Mas eu só tinha sete anos e isso parece ser tempo curto para que criança entenda de que felicidade não é coisa absoluta.

Meu irmão me levantou pelo braço e me escorreu pela valeta emplastificada entre dois canteiros. Um cheiro de guloseima barata que desprendia dele encobriu o perfume dos morangos, dissipando-se, assim, todo o meu festim particular. Você que não dê um pio, grunhiu o meu irmão. Ao atingirmos a borda da plantação, fui traspassado para minha mãe que aguardava bufando. Içado pela orelha, caminhei como um bailarino trôpego em direção ao carro. Você sabe há quantas horas estamos atrás de você?, perguntou a minha mãe, que posicionava cada palavra entre um bufo e outro. Meu pai apoiava as duas mãos sobre o volante. Não disse nada. O vrum-vrum do motor, porém, me atemorizava. 


Um bolo sob uma cúpula de plástico apartava os territórios no banco traseiro. Parece que todo mundo resolvera retornar à cidade na mesma hora. Os motoristas se agrediam mutuamente com palavrões abafados pelas buzinas. O carro contornava lentamente a plantação de morangos. Pude ver que a passarada retornara à posição de predadores. Pude ver ainda uma placa aprumada logo no fim dos canteiros. Eu já tinha sete e por isso sabia ler. Cuidado. Uso de agrotóxicos. Risco de contaminação. Não entre. E logo abaixo, uma caveira.  

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