quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

O tofu tem o gosto que você quiser.

RECEITA: HAMBÚRGUER DE TOFU COM CURRY - O que você tá fazendo aí?

- Hambúrguer de tofu.

- Argh. Mas tofu não tem gosto de nada.

- Tem gosto de tofu.

- Pra que inventar história? Hambúrguer é de carne.

- Você pode chamar do que quiser. E olha, se tá com vontade de comer carne, a chave do carro tá ali na mesinha. O méqui fica aberto até a meia-noite.

- Não precisa ficar com essa cara só porque não gosto de tofu.

- Até parece que você é obrigado a comer todos os dias.

- Não. Mas quando vejo aqueles três ou quatro cubinhos boiando naquela água suja e morna do vegetariano... argh!

- Por isso é que estou fazendo com o tofu um hambúrguer. É diferente e supertemperado. Com certeza, uma delícia. E depois, decidi que esse ano vou comer menos carne. Tofu é um bom substituto para proteína animal, você sabia?

- Aposto que leu isso numa revista enquanto aguardava pela consulta no dentista.

- Olha que eu taco a tigela com tofu e tudo na tua cara daqui a pouco. Poxa, será que não dá para ficar sem carne um dia que seja? Não foi ontem que a gente conversou sobre aquecimento global, sobre o espaço que essa vacalhada ocupa e todo o verde que ela consome?

- Faz peixe, então. De peixe eu gosto.

- Peixe é caro. A gente pode variar de vez em quando.

- E para variar você foi escolher justamente esponja para comer.

- 1..., 2..., 3...

- Tá bem, tá bem. Eu vou ver o jornal.


- E aí? Gostou?

- ...

- Não vai dizer nada?

- Não...

- Como não? Por que não? Agora vai ter que falar. Me encheu a paciência com toda essa história de que não gosta de tofu, de que boi é melhor. Gostou ou não gostou? Diz.

- Não...

- Eu sabia, eu sabia.

- Deixa eu acabar de engolir. Eu acho que não tem nadica de gosto de tofu. Com curry, então, ficou uma delícia.

- Como assim, não tem gosto de tofu? Você disse que tofu não tem gosto de nada.

- É por isso mesmo. Eu nunca comi nada como isso. Está ótimo.

- Então quer dizer que você não gostou mesmo.

- Ãh?

- Claro que não gostou. Se não gosta de tofu porque tofu não tem gosto de nada, quer dizer que... quer dizer que para você minha comida não tem gosto de nada também.

- Ãh? Mas...

- Por que comeu então se não tinha gosto de nada? O que você tá querendo provar? Eu não acredito. Todos esses anos e você ainda me surpreende. Eu deveria é fazer miojo com molho de caixinha toda noite. Quer saber, amanhã tiro férias da cozinha. Quem cozinha é você, viu?

- ?

Hambúrguer de tofu com curry

(inspirado num programa culinário do arte.tv)

Ingredientes para 2 hambúrgueres grandes:

  • · 200 g de tofu
  • · ½ talo alho-poró cortado picado fino
  • · 1 cenoura média ralada grossa
  • · ½ xícara de cebolinha verde
  • · 1 ovo
  • · sal, pimenta e curry (caril) a gosto
  • · farinha de trigo integral ou farinha de aveia fina
  • · óleo para fritar


Modo de preparo:

1. Aqueça 1 colher de sopa de óleo numa frigideira e refogue o alho-poró e a cenoura por 5 minutos ou até parar de soltar líquidos. Acrescente a cebolinha, o sal e a pimenta. Deixe esfriar.

2. Seque o tofu com uma toalha de papel. Triture o tofu no processador de alimentos ou esmague bem com um garfo.

3. Numa tigela, misture o tofu com os legumes, o ovo e o curry até obter uma massa homogênia.

4. Aqueça o óleo na frigideira. Forme os hambúrgueres e enfarinhe-os. Frite cada lado por 4 minutos em fogo médio-baixo e por mais 1 minuto cada lado de novo. Acompanha salada verde com molho de iogurte e limão.

DICAS:

*Se a massa ficar muito úmida e você tiver dificuldades para formar os hambúrgueres, acrescente farinha de rosca ou aveia em flocos.

**Hambúrgueres menores são mais fáceis de virar.

***Podem ser feitos com antecedência e aquecidos no forno.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Sinais.

RECEITA: CANELÉS BORDELAIS

1997 – Paris. Frio desgraçado. A minha mochila pesava nas costas e eu carregava poucos tostões no bolso. À caminho do albergue, me deparo com a visão que se cristalizaria na minha memória. Achatei meu nariz contra a vitrine da confeitaria abarrotada de delícias para me deslumbrar com os pequenos bolinhos dourados. Chamavam-se canelés. De que seriam feitos? Teriam gosto de quê? À noite, sonhei que dividia uma cesta de piquenique repleta de canelés com Monet e, pela primeira vez naquelas férias, não precisei de meias para dormir.

2002 – Berlim. Ganho um livro sobre a confeitaria francesa. Depois de cinco anos me deparei novamente com os canelés, desta vez em uma foto. Minhas mãos suam e deixam marcas nos cantos das páginas do livro. Traduzo a receita. Fava de baunilha? O que será isso?

2003 – Berlim. Experimentei pela primeira vez na vida baunilha de verdade. Que aroma, que gosto sensacional, que preço exorbitante, meu deus.

2004 – Berlim. Encontrei uma loja incrível de apetrechos de cozinha. Era comprar as formas de canelés ou ter o que comer no próximo mês. Investi meu dinheiro em uma forma de madeleines e risquei definitivamente os canelés da minha vida. Um temporal caiu sobre a cidade e usei a forma para me proteger do granizo. Com um resfriado daqueles, permaneci de cama por cinco dias. O valor da consulta médica e dos remédios que tomei pagariam as formas de canelés.

2005 – Paris. Dois dias de andanças com uma mochila mais leve que da outra vez. A confeitaria ainda estava lá e parecia que os canelés esperaram por mim intocáveis todos aqueles anos. A vendedora fez uma cara azeda quando mostrei meu cartão de crédito. Todos juntaram as moedas que tinham nos bolsos para que eu efetuasse a compra. Havia arrastado a trupe comigo por meia Paris debaixo de um tempo feio só para comprar o tal bolinho, mas todos sabiam o que significaria me contrariar em um momento daqueles. Encontrei a praça perfeita com a fonte perfeita. O vento assoprou as nuvens para longe e pude ver melhor o brilho da casquinha dourada. Tudo pronto para a iniciação. Procurei manter-me absorto do ruído dos amigos que faziam um festim comparando o recheio de seus baguetes. Percebi certa amabilidade nos olhares dos franceses ao me avistarem acocorado na borda da fonte segurando o canelé com a ponta dos dedos na altura do rosto. A minha amiga me disse para tomar cuidado ou eu ficaria vesgo para sempre. Foi eu rir do comentário para que meus dentes pulassem sobre o doce abocanhando a metade. Não houve tempo para outra piada e o canelé já havia sumido por completo. De olhos fechados, deliciei-me, mantendo a respiração em ritmo minimizado a fim de conservar o aroma acaramelado por mais tempo e para registrar no meu arquivo mental de sabores todas as nuances da baunilha. Quando, de volta do êxtase, abri meus olhos, todos os meus amigos se desmancharam em risadas. Só mais tarde, no alto da torre Eiffel, de frente para o primeiro pôr-do-sol avistável da semana, é que meus olhos entraram no eixo novamente.

2007 – Elne (sul da França). Chovia há uma semana e não havia mais o que comer na barraca. Fomos ao supermercado com o budged contadinho em busca de queijos e vinhos baratos. Importante é que fossem franceses para que não afetasse a imagem de dândis miseráveis que conservávamos durante aquelas férias. O céu se abriu lá fora e um facho de luz iluminou uma cesta de ofertas. Entre quinquilharias e latas amassadas descobri uma forma de silicone para canelés.

2008 – Curitiba. Visito meus pais. Uma garoa perseverava há dias mas mesmo assim decidimos passar uns dias no apê da praia. Empacotando a forma de canelés que trouxera, grito para minha mãe para que não se esqueça de carregar o bronzeador.
Canelés Bordelais
(do livro Mon cours de cuisine – La Pâtisserie)

Ingredientes para 8 canelés:
· 250 ml de leite integral
· 1 fava de baunilha
· 125 g de açúcar
· 50 g de farinha para pães
· 1 ovo e 1 gema
· 25 g de manteiga derretida
· 10 g de rum

Modo de preparo:
1. Ferva o leite com a baunilha e deixe amornar.
2. Em uma tigela, misture a farinha, o açúcar e os ovos.
3. Retire a fava do leite e reserve. Misture o leite à massa. Adicione a manteiga derretida e misture. Devolva a fava à mistura e deixe esfriar totalmente.
4. Adicione o rum, cubra com filme plástico e leve à geladeira por 12 horas no mínimo.
5. Pré-aqueça o forno a 270°. Unte as formas com manteiga. Descarte a fava. Despeje a massa deixando um centímetro livre e leve ao forno. Depois de 10 minutos abaixe a temperatura para 180° e asse por cerca de uma hora. Estará pronto quando os canelés resistirem a pressão do dedo. Desenforme quando estiverem mornos.

DICAS:
*Minha forma é de silicone, por isso não precisei untar.
**Se não tiver a forma especial para canelé, use forminhas de empada ou de muffin; preencha com a massa até a metade apenas e reduza o tempo de assar.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Só para maiores.

RECEITA: SORVETE DE MANTEIGA E VINHO TINTO

O sorvete tem a cor e o brilho da ametista. Boquiaberto, você irá se espasmar com o brilho da pedra gelada e milagrosamente cremosa à sua frente. Hipnotizado, vai se livrar da idéia que tem do presente só para contemplar aquela esfera perfeita e, assim, acreditar que a beleza é infinita.

Mas não se deixe iludir pois essa virtude toda tem caráter ambivalente. Sorvete é coisa efêmera. Duas palavras, eu digo: derrete e pinga. E se pingar na sua camisa, vai manchar. Ah, se vai. Mancha de frutinha vermelha, sabe como é, não sai assim tão fácil. Se vier misturada com vinho tinto, então, ai-ai-ai. Não tem nem mãe nem vizinha que passem a dica do tira-manchas milagroso. Pode misturar sal e água sanitária, pode fazer promessa, até acender vela. Boa idéia, aliás, pois vai ser só incinerando a camisa que a nódoa violácea terá chance de sumir. É isso ou carregar a mácula no currículo como inápto para o manejo de talheres.

O sorvete tem aroma deleitante e consistência de ternura. É uma brisa leve e fresca que a colher carrega e que está prestes a sumir na sua boca numa lufada que alude à aurora boreal.

Você não vai engolir essa e se deixar enganar pelos próprios sentidos, vai? Esse sorvete vai explodir na sua boca. Uma bomba, quer dizer, uma bola apenas tem 372 calorias. Se resolver ainda raspar o tacho e resgatar mais umas duas colheradas, nem que pequenas, tudo vai somar 500 calorias. Nada mais do que um quarto de suas necessidades diárias escondidas ali numa bolinha roxa de manteiga que, aliás, possui em sua composição ínfimos 80% de matéria graxa. Aquela que escorre corpo abaixo para virar toucinho nos seus flancos. Pense no tempo que vai gastar se derretendo na esteira até evaporar a sobremesa. Bem, isso se a máquina não quebrar por conta do enorme peso na consciência.

O sorvete, assim como citou Sócrates sobre o vinho, pode regar nossas almas, adormecer os pesares e nos despertar a alegria. É o fim dos milênios de supremacia do vinho – ele perde a adega, a garrafa, a maturação e o corpo para, enfim, encontrar a temperatura ideal sob o céu da nossa boca.

Caiu nessa, bobão? Pensou que o bafômetro não iria notar? Justamente os dois dedos da saideira que você evitou foram estar escondidinhos na bola de sorvete já liquefeita no mais íntimo da sua índole de bonachão. Olhe só para você. A camisa que é um nojo. Vinho branco tira mancha de vinho tinto – palpitou alguém da festa. Mas a mancha que era um pingo virou borrão. E se o cinto ainda desse conta de carregar a barriga, bem que você poderia enfiar a camisa na calça. Tudo dói, não é? A cabeça já se ocupa com o zunzum de amanhã no escritório. O bolso está mais leve, a multa, no entanto, já pesando no orçamento. E justamente hoje você foi escolher esses sapatos... é dar nos calos e ir para casa a pé. À direita, à esquerda? Mas eu sei que você não está desgostoso nem arrependido. No seu lugar, eu também estaria me babando para a sorveteira que tem em casa. E roxo para comer esse sorvete de novo!

Sorvete de manteiga e vinho tinto
(Adaptado da revista Essen und Trinken Februar 2009)

Ingredientes para 10 porções:
· 80 g de açúcar
· 100 g de mirtilos frescos ou congelados
· as sementes de um fava de baunilha ou essência de baunilha
· 120 ml de licor de cassis
· 500 ml de vinho tinto
· 200 g de manteiga gelada cortada em cubinhos
· 5 gemas de ovos

Modo de preparo:
1. Cozinhe o açúcar, os mirtilos, a baunilha, o licor e o vinho por quinze minutos. Bata no liquidificador e passe por uma peneira.
2. Leve ao fogo baixo e volte a aquecer sem deixar ferver (80°, se você tiver um termômetro).
3. Despeje novamente a massa no liquidificador e, em funcionamento, acrescente a manteiga gelada aos poucos, formando uma emulsão.
4. Despeje na panela e aqueça novamente sem deixar ferver (80°).
5. Coloque a mistura mais uma vez no liquidificador e, em funcionamento, acrescente as gemas uma a uma.
6. Despeje na panela e cozinhe em fogo baixo, sem parar de mexer, até atingir a consistência de um creme fino e liso. Despeje em uma bacia e deixe esfriar.
7. Mexa o creme vigorosamente. Coloque na sorveteira por 30 minutos e mais 2 horas no congelador.

*Eu não tinha licor de cassis em casa por isso cozinhei açúcar, mirtilos, água e cachaça (100 g de cada) por 5 minutos. Passei pela peneira e utilizei os 120 ml que precisava.
**Se você não tiver termômetro e teme que o creme ultrapasse os 80°, então faça tudo em banho-maria. Demora um pouquinho mais, porém o resultado é garantido.
***Você pode usar um mixer no lugar do liquidificador e fazer tudo direto na panela.
**** Ei, ei, não jogue fora a baunilha! Guarde-a em um pote com açúcar. Depois de algumas semanas você terá açúcar de baunilha naturalmente aromatizado.


quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O ovo é a medida de todas as coisas.

RECEITA: BOLO QUATRO QUARTOS (GÂTEAU QUATRE-QUARTS)

Testemunhas já declararam ter me visto flutuando sobre o chão da cozinha. Nessas horas o mundo à volta se dissipa em uma neblina de éter, tão absorto que me encontro fundindo ingredientes uns aos outros. Mesmo assim gostaria de compartilhar com os amigos minha visão desse espetáculo furta-cor. É quando um alimento vaza para dentro do outro e tem sua aura original alterada. Com meu corpo residido pela alegria e com um olhar de pura contemplação – como afirmam os que espreitam e talvez invejem minhas múltiplas mãos de Shiva seguem acrescentando, misturando e emulsionando na busca da dádiva planejada. O manjar que alimenta meus amigos é, por vezes, deleite para suas almas e, nesse caso, é possível que compartilhem resquícios da minha transcendente aventura.

Agora, de volta à Terra. Infelizmente, a experiência acima só se dá quando receita e ingredientes sofisticados se encontram sobre a mesa. Não posso esquecer de mencionar a platéia, é claro, sempre composta por amigos selecionadíssimos que não sabem ou não têm tempo para cozinhar; sem essa platéia meu teatro transcendental não seria possível nem eu, tampouco, teria oportunidade para camuflar meu ego com um chapéu de mestre-cuca. Nesse momento raro de pés plantados no chão, encontro-me diante de apenas quatro ingredientes básicos: ovos, manteiga, açúcar e trigo. E se não há motivo para contemplação nem o mínimo indício de que a platéia vai lotar, não me resta outra alternativa se não fundir a cuca com devaneios e caraminholas.

A receita que tenho em mãos é do bolo quatre-quarts, talvez o bolo mais simples que exista. O bolo possui variantes em diversos países mas seu, digamos, caráter igualitário parece ter origem francesa. O princípio é que farinha, manteiga e açúcar sejam medidos a partir do peso dos ovos reservados à receita. Considerando, portanto, que os ovos que uso têm 50 g, se o bolo levar cinco ovos, serão 250 g de ovos no total. Isto quer dizer que pela regra cada um dos outros ingredientes deverá pesar 250 g. Segundo o meu livro, o bolo de um quilo vai dar para uma forma de 30 cm de comprimento e 10 cm de largura. E aí mora o problema: nós somos dois em casa. E um bolão desses vai secar antes de ser totalmente devorado. Que eu posso fazer um bolo com três ou quatro ovos eu já sei e já ficou claro para você. Mas a questiúncula que cutuca aqui é: qual o tamanho da forma que precisarei se quebrar menos ovos? Não me diga que você nunca se deparou com um problema desses.


Vou tentar voltar às aulas de matemática básica e brincar de calcular, mas àquelas aulas em que ainda era permitido usar os dedos e objetos para contar. Coloco cinco ovos em uma forma de 30 cm e avalio não só o volume que ocupam como também o espaço que sobra entre eles. Imagino que a cada ovo, fundidos, estão os outros ingredientes. Sei que eles são estáveis em volume. A resposta veio com uma imagem. Ao usar uma forma de outro tamanho, o espaço entre ovos deveria permanecer o mesmo. Cada segmento composto de quatro ingredientes sempre ocuparia o mesmo volume. Divido a forma de 30 cm em seções que correspondem ao número de ovos e obtenho a seguinte sequência numérica: 6, 12, 18, 24 e 30.


Eu sei, eu sei, não foi bem a descoberta do segmento áureo, e alguém, antes de mim, já tinha concluído que a receita para a forma de 30 cm levaria cinco ovos. Mas fiquei bem feliz ao constatar que as outras formas no armário correspondiam exatamente às medidas de 18 e 24 cm. E mesmo se não, a proximidade dos comprimentos me encorajaria a fazer um bolo menor, sem o temor de que a massa transbordasse da forma ou sumisse no fundo, afinal, suflês e crepes têm receitas e modos de preparo a serem respeitados. Meu quatre-quarts, portanto, terá quatro ovos e será assado em uma forma de 24 cm. Ao final dessa aventura que sem dúvida transcendeu o meu modo de encarar receitas e formas, me sinto encorajado a enfrentar problemas parecidos no futuro. Talvez tenha que recorrer a livros já empoeirados com complicados capítulos de geometria ou, quem sabe, apelar aos deuses.

Bolo quatro quartos (Gâteau quatre-quarts)

Ingredientes para uma forma retangular de aproximadamente 24 cm de comprimento:

· 4 ovos caipiras separados (tamanho médio, 50 g)

· 200 g de farinha de trigo peneirada

· 200 g de manteiga salgada

· 200 g de açúcar orgânico

Você pode dar sabor ao bolo acrescentando raspas de laranja ou limão, ou temperos como anis ou baunilha. Eu prefiro sentir o sabor da manteiga e dos ovos, por isso, compro sempre produtos de qualidade. Acredito que a qualidade dos sabores nesse caso supera a simplicidade do bolo.

Existem várias maneiras de preparar esse bolo; foi assim que fiz:

1. Unte e enfarinhe a forma ou forre com papel manteiga.

2. Pré-aqueça o forno a 180°.

3. Derreta a manteiga e deixe esfriar.

4. Bata os ovos com o açúcar até dobrar de volume ou até que se dissolva completamente.

5. Lentamente acrescente a manteiga e misture delicadamente com uma espátula ou colher de pau.

6. Acrescente a farinha, misture e despeje na forma. Leve para assar por 40-45 minutos.

DICA: Depois de 20 minutos no forno, o bolo vai formar uma película na superfície. Com uma faca afiada e untada, faça um corte longitudinal de um extremo ao outro. Isso fará com que a massa do interior transborde uniformemente, formando a típica fenda.

Variante 1: Bata as claras com um terço do açúcar. Bata a manteiga com o restante do açúcar. Acrescente as gemas uma a uma. Misture as claras batidas. Acrescente a farinha.

Variante 2. Bata a manteira com o açúcar. Acrescente os ovos um a um. Adicione as farinha em três porções.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Indiana Jones e o radicchio.

RECEITA: GELEIA DE RADICCHIO

Sempre fui fã de carteirinha do Indiana Jones. Apesar da decepção com o último episódio, Indi permece intacto no pódio dos herois daquele franco garoto de periferia que eu era. E Mister Jones não estava sozinho lá em cima, não. Dividia espaço com a Raquel Accioli (sim, aquela da novela Vale Tudo), com a Maria José, minha, então, professora de português e com outros tantos seres humanos e fictícios que produziram fortes impressões no meu espírito em formação. Não me envergonho dessas escolhas, nem há motivo para isso se os álibis me absolvem de qualquer julgamento: a televisão estava sempre ligada, a biblioteca, sempre fechada e o cinema era o divertimento mais em conta para alguém que, tendo nascido com dois pés esquerdos, não via razão em gastar o dinheirinho com uma calça branca só para ir à discoteca com os amigos.
Quem assistiu ao A última cruzada vai entender bem. Logo no final, depois de incontáveis percauços, Indi precisa passar por provações que testariam suas sólidas convicções de professor e arqueólogo – uma delas era uma prova de fé. O local em que ele se encontra e a entrada da câmara, na qual há séculos é guardado o Graal, são separados por um precipício. Alcançar o outro lado requereria forças sobre-humanas. Pela urgência em salvar a vida do pai e por ter percebido que até ali tudo parecia divinamente iluminado, Indi leva a mão ao coração, acredita no impossível e ergue a perna para dar o primeiro passo - mais eu não conto; pode ser que você não tenha visto o filme. O que me comove até hoje é ter entendido que a atitude de Indi em acreditar poder caminhar sobre o precipício não foi um impulso procedente do seu desespero, pois sei que há diferença entre a loucura da imprudência em pisar no vazio e a ousadia de permitir-se acreditar ser possível.

Há duas semanas, a Ana Elisa, do delicioso blog La Cucinetta, postou mais uma de suas experiências gastronômicas. No texto, nostálgico e fluente, ela comenta de um episódio vivenciado em Veneza, quando deparou com uma inusitada geleia de radicchio. “De radicchio? Mas radicchio é amargo?” Ana provou a geleia com queijos fortes e nos diz que, além de deliciosa, era diferente de tudo o que é geleia que já provara. Não teve, então, a sorte de comprar um vidro e, agora, divide conosco a frustração de nunca mais ter comido daquela iguaria italiana. Para mim fica claro que provar a geleia de folhas amargas foi um marco para a história culinária que desenvolveria futuramente na cozinhazinha que nos expõe todas as semanas. Ana não visitou delicatéssens à procura de um vidrinho de confettura di radicchio – fantasio – isso seria a loucura. Ter apreciado ou não a geleia não é tão importante. Não tão quanto ter registrado as nuances da combinação dos sabores. Talvez, inconscientemente, através da sua alquimia e com os ingredientes ao seu alcance, Ana tenha procurado reconstruir, aqui na sua cozinha, a experiência sensorial vivida naquela sua noite em Veneza. E isso é a ousadia.
Alcançar o outro lado do precipício não é fácil. E talvez não seja para qualquer um. Cozinhar não é arte nem é tão difícil quanto parece. A escola dos sabores se situa em algum lugar entre a fragilidade de um biscoito de polvilho e o corpo do vinho envelhecido. A história da culinária é escrita tanto pelo guia Michelin quanto pela dona-de-casa que sonha com um restaurante por quilo. Loucura é situar-se apenas em um dos dois extremos. Mas se você tem apenas fome, nunca vai apreciar a comida.
Encontro-me em um tempo de mudanças. As recordações têm me ajudado a reestruturar a minha vida. Raquel Accioli (sim, sim aquela, a da novela das oito) me emocionou quando misturou maionese com atum de latinha, arregaçou as mangas e saiu vendendo sanduiche na praia. Mais tarde, ela chegou a ter uma fábrica de maionese, lembram? E a Maria José, incrível professora, me disse algo a que me neguei durante mais de 20 anos, que só se aprende a escrever, escrevendo. E eu não vou cuspir no meu passado. Só cuspo comida ruim.

Geleia de radicchio
descoberta em uma sala de bate-papo
Ingredientes:
· 300 g de radicchio processado ou picado bem fino
· 50 g de água
· 1 colher de sopa de vinagre branco
· 150 g de açúcar
· Suco de meio limão
· 50 g de licor de laranja
· 30 g de amaretti esfarelados
Modo de preparar:
1. Cozinhe o radicchio com a água e o vinagre em fogo baixo por 8 minutos.
2. Adicione o açúcar e o suco de limão e cozinhe em fogo médio por 20 minutos.
3. Adicione o licor e cozinhe por mais 15 minutos ou até atingir a consistência desejada.
4. Tire do fogo e acrescente os amaretti.
Dicas: Se você bater o radicchio com a água e o vinagre no liquidificador, vai obter uma geléia mais fina. O licor e a água foram pesados - a gastronomia profissional geralmente pesa os líquidos para obter medidas mais precisas; aqui 50 g de licor são praticamente 50 ml. A geléia se conserva várias semanas no refrigerador.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

A gente se encontra na infância.

RECEITA: AMARETTI

“A gente já está junto há mais de seis anos...”

“É, seis anos.”

“E eu não tinha notado essa maquininha no armário da cozinha.”

“Era da minha mãe. Encontrei no porão e, sem pedir, trouxe pra casa. Já que não cozinha como antes, não vai sentir falta. Acho.”

“Minha mãe tem um moedor também. Igualzinho-igualzinho. Nem sei se chamo isso de moedor ou de moinho.”

“Deve estar enfurnado em algum canto da cozinha dela.”

“Tão escondido não está. Ela deve usar em tempo de páscoa, de natal ou no aniversário de alguém da família, sei lá. É para moer amendoim. Gozado.”

“O quê?”

“Nem sei mais pra quê. Não lembro o que minha mãe fazia com a farinha do amendoim. Eu é que tinha que prender o moedor no canto da mesa. Ele exalava um cheiro oleoso de amendoim. Mas se era bolo, se era bolacha... lembro só que me sentia importante na minha função de moedor da hora.”

“Se quiser, deixo que você gire a manivela. Não faço questão do trabalho. Também dei duro ajudando a minha mãe. A gente prendia no parapeito da janela – a tábua da mesa era grossa demais. Fazia um esforço danado para girar a manivela que agora não me parece tão grande quanto antes. Deve ter formado até uns calinhos na minha mão.”

“Deixe ver se ainda estão ali. Eu dou um beijo e já passa. Pronto. Nem precisa casar de novo. Que depois de todo esse tempo ainda tinha coisa que não sabia a seu respeito, eu não contava.”

“Ter ajudado minha mãe a moer amêndoas não é bem um segredo que eu guardava de você...”

“Mas é um detalhe que nos une. Mais um detalhe. Mais tarde vou ligar para minha mãe e perguntar sobre o moedor dela. Toda essa história me deixou curioso.”

“Está vendo a mancha de óleo no socador do moedor? Há décadas que nenhuma amêndoa passa por aqui. Mas o óleo é a prova de que foi muito usado. Vai moer assim mesmo com a pelezinha?”

“Vou. É o que dá cor aos amaretti.”

“Amaretti? Duvido que alguma vez as amêndoas que eu moí tenham virado amaretti. Cozinha internacional a nossa! Lá em casa, amêndoa moída virava cobertura para Bienenstich. Aliás, bem que você podia fazer esse bolo para mim. Você faz? Promete?”

“Só se você descobrir por que o bolo se chama picada de abelha. Eu ligo para sua mãe e peço a receita. Vamos ver qual é mais gostoso então.”

“E daonde essa idéia agora? Amaretti. E justo agora que a máquina de café está quebrada?”

“Vai ter que esperar. É surpresa. A idéia é meio louca. E quer parar de comer as amêndoas, se não não vai dar pra receita.”

“Ai, doeu, viu? Agora você pareceu a minha mãe.”

“Cajuzinho! Lembrei. Desculpa, mas eu também levei alguns tapas de tanto beliscar os docinhos. Era para fazer cajuzinho que eu moía amendoim. Cajuzinho, que saudade. Era coisa que não faltava em nenhuma festa de aniversário lá em casa.”

“Não sabia que cajuzinho era feito de amendoim. Isso é segredo de família?”

“Não, caju sempre foi mais caro. A gente não tinha tanto dinheiro. Minha mãe – essa é boa, preciso contar! –, minha mãe fez um curso de marzipã uma vez. Como os cajuzinhos, ela modelava umas frutinhas, só que com marzipã. Depois tingia com corante alimentício. Um trabalhão.”

“Mas marzipã também não era caro?”

“Era. Só que o da minha mãe era feito de castanha-do-pará com muita, muita essência de amêndoa para disfarçar. Nunca te contei mas faz bem pouco tempo que experimentei marzipã de verdade pela primeira vez. E eu já estava com você.”

“Eu te amo, sabia? Conta mais.”

Amaretti

Adaptado do livro Konditorei Patisserie Bäckerei


Ingredientes para uns 150 biscoitos

· 200 g de açúcar

· 100 g de farinha de amêndoas

· 100 g de pasta de amêndoas ou marzipã em pedacinhos

· 3 claras


Modo de preparar:

1. Em banho-maria misture o açúcar, a farinha e a pasta de amêndoas e duas claras, até que o açúcar se dissolva completamente.

2. Retire do fogo, adicione a clara restante e misture até obter uma massa lisa e brilhante. Deixe esfriar.

3. Pré-aqueça o forno a 170°. Com uma manga de confeitar faça pequenas bolinhas sobre formas cobertas com papel manteiga e seque em forno parcialmente aberto por aproximadamente 20 minutos.

Dicas: Durante o banho-maria, não deixe que a bacia entre em contato com a água, o vapor quente já basta. Use uma colher de pau para manter o forno aberto e gire a forma algumas vezes, assim os amaretti assarão por igual. Amaretti dá para congelar.