terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Maratona.

Se bate a larica por algo doce, preciso apenas sair de casa que em um minuto alcanço a padaria do bairro. Fica a uns 100 metros daqui, não mais. A escolha reduzida no balcão de vidro não me assola de tanto, afinal a loja é pequena e o negócio dali é vender pão, cafezinho, algumas guloseimas e, ao que me parece, jornal de ontem. Entre sonhos, folhados e um bolo mármore, que nesse caso não leva o nome devido às suas manchas de cacau, fico com um sonho de doce-de-leite. Nada contra folhado. Mas folhado, você sabe, não se come na frente dos outros. Nem me dou ao trabalho de pedir para embrulhar, pois o sonho já acabará no caminho, antes mesmo de eu entrar em casa. Em frente ao espelho no hall de entrada, enquanto lambo os beiços, empurro com o dedo o que sobra do açúcar para dentro da boca. Daquela maneira instintiva praticada desde a infância. A diferença é o olhar de condenação que hoje me disparo, me perguntando por que diabos não contive a gulodice, por que diabos!, se já sabia que o sonho seria amanhecido.

Se o comichão no estômago incomoda e nenhuma oferta da padaria me apetece, ainda assim não preciso me empenhar. São apenas 400 metros para estar no centro da cidade. Por aqui, como se vê, não há lonjuras. E um pouco mais, já ultrapasso a fronteira do município. Contudo, bem antes disso, há o maior estabelecimento da região. Um pot-pourri das especialidades locais e nacionais. Ao me deparar com a vitrine repleta de tortas, constato o que considero resposta a um certo complexo de inferioridade local perante às metrópoles desse mundo. As tortas são arranha-céus de creme, verdadeiras obras arquitetônicas concebidas por um confeiteiro que, com sua megalomania brejeira, não teme desafiar as leis da gravidade. É mesmo de arregalar os olhos. Difícil saber por onde começar a comer um monumento desses. Qualquer garfada, mesmo cuidadosa, provoca o desabamento dos andares superiores. Desisto logo após algumas tentativas. E muito antes da poeira baixar, por dois motivos, decido não voltar mais para lá. Primeiro, porque não é preciso paladar sofisticado para notar a infinidade de pós, estabilizantes e emulsificantes misturados ao creme, o cimento usado na construção das tortas e que me trava a língua por um bom tempo. Segundo, porque não sou obrigado a frequentar um estabelecimento em que tenha que dividir a mesa com um desconhecido. Sim, sei que devido às minguadas alternativas locais, deveria despertar meu espírito fraternal para, então, demonstrar certa cordialidade aos nativos. Mas compartilhar a mesa com um desconhecido que, ao romper com o garfo a crosta crocante do seu joelho de porco assado, espirra gordura sobre minha fatia de torta, já é demais.

Se quero agradar ao paladar e à alma, sigo o conselho de um amigo e viajo 21 quilômetros para comprar um pedaço de torta. Uma verdadeira maratona, se considerar que será preciso percorrer novamente tudo isso ao voltar para casa. 42 quilômetros é o que mostrou mais tarde o contador. Numa situação dessas, penteia-se os cabelos, enfia-se a camiseta na calça e, para troçar com o dentista, até escova-se os dentes antes de comer doce. A fachada da confeitaria promete muito. Já na entrada, porém, comprova-se que o local não é um segredo bem guardado. Uma muldidão aguarda bem-mandada, organizada em filas que serpenteiam todo o salão. Alguns recortes de jornal emoldurados confirmam a fama do confeiteiro. Alguém volta lá de dentro dizendo que a salão de chá está abarrotado de velhinhas. É difícil avaliar quantos de todos os que estão ali esperam por uma mesa. Decidimos levar o bolo para casa. Antes disso, esperamos por quase meia hora para alcançarmos o balcão. Nesse ínterim, uma menina desfila com uma bandeja cheia de biscoitos amanteigados. Meu deus - penso de boca cheia - meu deus! Está difícil de avistar a atendente, pois sobre o balcão se empilham dezenas de pacotes dos tais amanteigados. Tenho que retirar um pacote para poder fazer o pedido, com o qual somos unânimes: três fatias da torta floresta negra mais linda que já vi. A moça pergunta se eu compraria os biscoitos que retirara do lugar. Tudo bem, tudo bem. O carro se impregna do cheiro de cerejas. 21 quilômetros mais tarde, embevecido, me encontro sentado à frente do embrulho, esperando o café passar. Se eu estivesse sozinho, seria uma tragédia. Mas como estávamos juntos, tudo virou piada. A moça trocou os embrulhos. Voltamos para casa com as tortas de outra pessoa.

2 comentários:

Anônimo disse...

Quando bate essa vontade é triste mesmo, espero que as tortas "trocadas" tenham sido boas.
Adoro passear por aqui e fiquei feliz que voltou!

Bigode de chocolade disse...

Pois é... torta é sempre torta!