quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Férias 1: A culpa.

PÃO RÚSTICO COM FERMENTO DE MAÇÃ
PÃOZINHO DE MARSELHA

1º dia. Bonjour. Chegamos. Cruzar a fronteira não foi algo mágico como todos anunciaram. Bem que eu disse que em posto de estrada só se encontra baguette murcho. Mesmo assim resolvi dar uma chance para o café. Com meu francês arcaico, pedi um café au lait - uma média, pra gente. A mademoiselle parece não ter entendido e me veio com um cafezinho aguado. Café au lait, eu disse. Ca-fe-o-lê!

Ela deu um sorriso escarninho e não tirou o pé do lugar. Daí, lançando um olhar acirrado que perfurou minha testa como um laser, mergulhou a mão numa caixa de sapato encardida e tirou de lá um sachezinho de leite em pó. Insolente, a moça rasgou o papel e derramou o pó na xícara. Café au lait, ela disse. Café au lait. E eu pensei: bienvenue en France.

3º dia. Falei que nossa maison fica numa cidade medieval? Pois é. E parece que o tempo parou por aqui. Férias planejadas às cegas e em sites obscuros da internet não podem acabar bem. Reservado, tínhamos uma casinha com sala, cozinha, quarto e banheiro. O que não imaginávamos, porém, era que os cômodos viriam um em cima do outro. Isso mesmo. Da rua você cai direto no banheiro. No primeiro andar, a cozinha. Mais acima vem a sala e, por último, com vista panorâmica, vem o quarto, que também pode ser usado como estufa durante o dia.

A gente tem que pensar duas vezes se toma um vinhozinho antes de dormir. O último gole pode ser fatal. Três andares só para fazer xixi! Não é à toa que naquela época se jogava tudo janela afora. E tem mais. O pé daquela gente deveria ser minúsculo. Descer essas escadas é pura acrobacia. E subi-las me faz pensar que teria sido bom tomar aulas de ballet quando era criança. 7º dia. Ao planejar essas férias antiestresse, visualizei meu descanso em detalhes de luz e cor. Eu seria como um personagem de um quadro de Renoir. Em algum boulevard daqui, resfolegado numa cadeira de arame, degustaria meu petit déjeuner sob raios de sol filtrados por árvores copadas. Sobre a mesinha pintada pela imaginação, o journal de qualquer data dividiria espaço com o croissant amanteigado e dourado, a corporificação da aurora que me acompanharia até o cair da tarde.

Bem, o cenário de minhas manhãs reais não é assim tão impressionista mas o melhor croissant do mundo fica a apenas 200 metros daqui. O preço, no entanto, é salgado como o suor de um atleta que acabou de disputar uma corrida de obstáculos. E necessito de tal aptidão olímpica para chegar à boulangerie todas as manhãs.

Se não pulo, se não desvio, transponho e driblo como um desportista, acabo não safando meus chinelos da armadilha pegadiça deixada para trás por centenas de totós franceses. Você sabe a que me refiro – merde! É tanta que até perco o prumo e, portanto, também a finesse - seria uma afronta à cuisine nationale afirmar que os boulangers e patisseurs desse país se inspiraram nos excrementos caninos ao criar a doçaria invejada? Criatividade não surge, assim, do nada. E caso você passe por aqui, muito cuidado. Ainda que o calor do sol libere o fedor da porcariada e alerte os passantes, pode ser que toda a luminosidade pictórica dessas bandas acabe ofuscando a visão dos desatentos e aí... c'est de la merde. Os daqui acham até que dá sorte e os visitantes, graças aos tais arroubos culturais que se costuma ter em terras estrangeiras, vislumbram o caso com vista grossa: “foi apenas um boulanger trambolhão que, depois de horas de laborão, emborcou o tabuleiro para recobrir o chão com baguettes, crèmes, gâteaus, brioches, ecláirs, meringues e macarons, muitos macarons”. Au revoir.

10 comentários:

Juliana Vermelho Martins disse...

C'est de la merde, mais c'est de la merde française, quand même! :-D

Tudo bem, eles exageram! Mas é o preço a pagar pelo melhor croissant do mundo e pela profusão de macarons a um passo e algumas moedas...

Paraíso na terra não existe, chéri!

http://www.itaerci.blogspot.com.br disse...

Mesmo com tua descrição um tanto caótica, ainda sonho que tudo é perfeito numa vaigem de férias na França. Azar meu???

Salvador González Parra disse...

Hello! I love your blog, I have got a school blog, I'm collecting flags, can you visit my blog please? Ah !!! And I'm Spanish

Bruna Trovão disse...

me diverti muito com a leitura da sua aventura, mas se não for assim não temos histórias boas pra contar! eu andei postando sobre uns tropeços da vida também... mas muito menos sofisticados...

Rê Cicca disse...

Que é isso??? Nossa, vi cada foto "deliciosa" aqui e além de tudo um blog gostoso de ler...Parabéns ao Bigode de Chocolate!

Leia também
www.descompensando.blogspot.com

RafillO disse...

Apetitoso blog, te sigo.

Cissa... disse...

nossa q sonho!*-*
apesar de alguns impecilhos axo q ainda é um sonho viajar pra França..Paris então trés bien!!!!
Aproveite darling,as coisas realmente boas duram mto poko....
Depois da uma passadinha no meu ,ta?
bjs e vou ti linkar pra ti seguir ate mais

http://panelinhademulher.blogspot.com/

Joyce Galvão disse...

rs... só fico lembrando da minha ida a França e do seu texto... ai deu até dor de barriga de tanta risada! Adoro!

beijos

Bergamo disse...

Queria estar aí, respirando esse ar, comendo esses pães maravilhosos, engordando só com coisas boas...e esquecer que o que me espera é uma salada...
Abraços,
Bergamo

Bigode de chocolade disse...

Pessoal, merci, merci por terem passado por aqui! Depois de um tempao meio inativo... vamos ver se me animo a postar regularmente. Merci, merci.