segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Um blog em crise.

RECEITA: MADELEINES COM AZEITE DE OLIVA E LAVANDA


Há pouco mais de uma semana postei meu primeiro texto no Bigode de Chocolate e sinto em dizer que o blog já vive uma crise existencial. Ótima oportunidade para alertá-lo de que não será a primeira e, enquanto esse blog durar, tampouco a última vez que o importunarei com minhas amolações. Sou daquele tipo de pessoa que gasta boa parte da vida buscando a si mesma; é da minha natureza. Achava que um blog seria o veículo ideal para expor meus pensamentos, até ontem à noite quando fui dormir me perguntando – e talvez você faça o mesmo - por que diabos escolhi justamente um diário de experiências culinárias como meio para propagar meus medos e dúvidas? Por que então não escrevi um blog filosófico (ou consultei um terapeuta)? A resposta esteja talvez em outra pergunta com a qual despertei pela manhã. Uma pergunta que põe em questão a razão de seguir ou não adiante com um blog culinário: escrevo posts sobre as minhas experiências gastronômicas ou deliberadamente cozinho com o intuito de escrever posts? O que vem antes: o texto ou a comida?

Li na revista Slate um interessante ensaio que clareia minhas idéias. Diz que Proust poderia não ter conhecido os bolinhos de madeleine. Um escândalo para o meio literário. Proust em sua obra autobiográfica Em busca do tempo perdido vivencia uma certa experiência sensorial que resgata sua memória adormecida. Aí é que o famoso bolinho entra na história. O sabor e a textura da madeleine embebida no chá evocam a lembrança de estímulos semelhantes vividos por Proust nos seus anos de infância. Essa é a chave de ignição para uma série de novelas e é uma idéia tão genial que já foi imitada inúmeras vezes. O que o ensaísta da Slate diz é que a descrição que Proust faz da madeleine não condiz com o que ela de fato é. A descrição está mais para uma torrada seca e esfarelenta do que para um bolinho fofinho como a madeleine. A hipótese é de que Proust tenha escolhido a madeleine pelo efeito que isso causaria. Mesmo não a conhecendo bem, o escritor francês sabia que um bolinho com forma de concha garantiria mais facilmente um lugar na posteridade literária do que um simples e vulgar pedaço de pão.

O que minha crise tem a ver com toda essa história literária? – você pergunta. Ora, o que tem demais, ao querer escrever algo sobre o que pulula na mente pela manhã, em buscar inspiração no Dona Benta? E tem mais. Me desculpem os proustianos de plantão mas a minha citação foi mero conhecimento que vazou do inconsciente coletivo. Eu não li, confesso que não li o livro. Se o Proust vendeu torrada por madeleine, e nós caímos, vitória dele. Se não comeu a madeleine, pior para ele. Mesmo assim se sentiu autorizado a escrever um compêndio a partir de uma experiência que não teve. Por que, então, eu, escritor e cozinheiro de meia-tigela, não poderia fazer o caminho inverso – ao tencionar escrever um texto, buscar inspiração e impulso criativo na comida? Eu gosto de comer, oras. A partir de agora, portanto, fica claro aqui que não importa se eu escrevo porque comi ou se eu comi para escrever, importa é que eu não perca tempo e continue buscando. E... talvez eu leia o livro.



Madeleines com azeite de oliva e lavanda
Do livro Das Buch vom Olivenöl

Ingredientes para 12 madeleines:


· 100 g de manteiga
· 3 ovos inteiros e 2 gemas
· 140 g de açúcar
· 130 g de farinha de trigo
· 1 pitada de sal
· 5 g de fermento químico
· 1 colher de sopa de azeite de olive
· ½ colher de sopa de lavanda seca triturada


Modo de preparo:


1. Derreta a manteiga e deixe esfriar.
2. Com uma espatula, misture os ovos e as gemas delicadamente até atingir uma mistura homogênia, sem espumar.
3. Nessa ordem, adicione o açúcar, a farinha, o sal e o fermento até obter uma massa compacta e sem bolhas.
4. Despeje a manteiga aos poucos, misturando lentamente. Faça o mesmo com o azeite. Adicione a lavanda triturada.
5. Cubra com filme plástico e deixe na geladeira por no mínimo 2 horas.
6. Unte e enfarinhe a forma. Despeje a massa e tome cuidado para que as formas não fiquem muito cheias. Leve ao forno pré-aquecido a 180° por 15 minutos. Desenforme ainda morno.

2 comentários:

Juliana Vermelho Martins disse...

Acho que resolverei, pelo menos em parte, uma de suas dúvidas. Como você aprendeu a comer muito antes de aprender a escrever, ou mesmo a falar, então provavelmente você escreve porque come. Aprendeu a falar para poder descrever o que pensava enquanto distribuía papinha pelo chão da cozinha. E quis escrever só para poder imortalizar essas sensações. Para sobreviver na memória dos leitores e também na dos glutões. Acertar duas bolinhas com uma só tacada.

Assim como Proust que, concordo plenamente, foi um dos inventores do marketing pessoal e faz sonhar com Madeleines mesmo quem nunca provou, nem sequer viu, uma dessas maravilhas.

O que eu acho de mais genial na idéia dele é ter escolhido justamente um bolinho pra lá de simples. É quase uma folha de papel em branco. Se ele tivesse escolhido um outro exemplar da pâtisserie que fosse todo cheio de coisas, não sobraria espaço nenhum para os devaneios da memória e hoje não teríamos sete volumes pra ler.

Eu também não li. Mas tentei. E achei tão chato que preferi deixar pra lá e ficar só com as madeleines mesmo.

Quanto à crise: bem vindo ao mundo dos blogueiros! Sua nova dúvida será "tenho um blog porque escrevo ou escrevo porque tenho um blog"?

PS.: a palavrinha que devo escrever hoje para provar que sou humana é "stoma". Coincidência interessante, não?

Ana Elisa Granziera disse...

Eugenio,
ADOREI o texto. Já me perguntei o mesmo algumas vezes, e já me vi presa na armadilha de cozinhar para o blog e não para mim. Até por isso decidi que de vez em quando vou cozinhar o que quiser e não, não vou falar a respeito no blog. Hehehe... apenas para ainda ter alguma sensação de sagrado relacionado à minha comida, e para manter a cabeça no lugar. Preciso dizer também que você escreve maravilhosamente bem! Parabéns!

Bjos