domingo, 22 de fevereiro de 2009

Só para maiores.

RECEITA: SORVETE DE MANTEIGA E VINHO TINTO

O sorvete tem a cor e o brilho da ametista. Boquiaberto, você irá se espasmar com o brilho da pedra gelada e milagrosamente cremosa à sua frente. Hipnotizado, vai se livrar da idéia que tem do presente só para contemplar aquela esfera perfeita e, assim, acreditar que a beleza é infinita.

Mas não se deixe iludir pois essa virtude toda tem caráter ambivalente. Sorvete é coisa efêmera. Duas palavras, eu digo: derrete e pinga. E se pingar na sua camisa, vai manchar. Ah, se vai. Mancha de frutinha vermelha, sabe como é, não sai assim tão fácil. Se vier misturada com vinho tinto, então, ai-ai-ai. Não tem nem mãe nem vizinha que passem a dica do tira-manchas milagroso. Pode misturar sal e água sanitária, pode fazer promessa, até acender vela. Boa idéia, aliás, pois vai ser só incinerando a camisa que a nódoa violácea terá chance de sumir. É isso ou carregar a mácula no currículo como inápto para o manejo de talheres.

O sorvete tem aroma deleitante e consistência de ternura. É uma brisa leve e fresca que a colher carrega e que está prestes a sumir na sua boca numa lufada que alude à aurora boreal.

Você não vai engolir essa e se deixar enganar pelos próprios sentidos, vai? Esse sorvete vai explodir na sua boca. Uma bomba, quer dizer, uma bola apenas tem 372 calorias. Se resolver ainda raspar o tacho e resgatar mais umas duas colheradas, nem que pequenas, tudo vai somar 500 calorias. Nada mais do que um quarto de suas necessidades diárias escondidas ali numa bolinha roxa de manteiga que, aliás, possui em sua composição ínfimos 80% de matéria graxa. Aquela que escorre corpo abaixo para virar toucinho nos seus flancos. Pense no tempo que vai gastar se derretendo na esteira até evaporar a sobremesa. Bem, isso se a máquina não quebrar por conta do enorme peso na consciência.

O sorvete, assim como citou Sócrates sobre o vinho, pode regar nossas almas, adormecer os pesares e nos despertar a alegria. É o fim dos milênios de supremacia do vinho – ele perde a adega, a garrafa, a maturação e o corpo para, enfim, encontrar a temperatura ideal sob o céu da nossa boca.

Caiu nessa, bobão? Pensou que o bafômetro não iria notar? Justamente os dois dedos da saideira que você evitou foram estar escondidinhos na bola de sorvete já liquefeita no mais íntimo da sua índole de bonachão. Olhe só para você. A camisa que é um nojo. Vinho branco tira mancha de vinho tinto – palpitou alguém da festa. Mas a mancha que era um pingo virou borrão. E se o cinto ainda desse conta de carregar a barriga, bem que você poderia enfiar a camisa na calça. Tudo dói, não é? A cabeça já se ocupa com o zunzum de amanhã no escritório. O bolso está mais leve, a multa, no entanto, já pesando no orçamento. E justamente hoje você foi escolher esses sapatos... é dar nos calos e ir para casa a pé. À direita, à esquerda? Mas eu sei que você não está desgostoso nem arrependido. No seu lugar, eu também estaria me babando para a sorveteira que tem em casa. E roxo para comer esse sorvete de novo!

Sorvete de manteiga e vinho tinto
(Adaptado da revista Essen und Trinken Februar 2009)

Ingredientes para 10 porções:
· 80 g de açúcar
· 100 g de mirtilos frescos ou congelados
· as sementes de um fava de baunilha ou essência de baunilha
· 120 ml de licor de cassis
· 500 ml de vinho tinto
· 200 g de manteiga gelada cortada em cubinhos
· 5 gemas de ovos

Modo de preparo:
1. Cozinhe o açúcar, os mirtilos, a baunilha, o licor e o vinho por quinze minutos. Bata no liquidificador e passe por uma peneira.
2. Leve ao fogo baixo e volte a aquecer sem deixar ferver (80°, se você tiver um termômetro).
3. Despeje novamente a massa no liquidificador e, em funcionamento, acrescente a manteiga gelada aos poucos, formando uma emulsão.
4. Despeje na panela e aqueça novamente sem deixar ferver (80°).
5. Coloque a mistura mais uma vez no liquidificador e, em funcionamento, acrescente as gemas uma a uma.
6. Despeje na panela e cozinhe em fogo baixo, sem parar de mexer, até atingir a consistência de um creme fino e liso. Despeje em uma bacia e deixe esfriar.
7. Mexa o creme vigorosamente. Coloque na sorveteira por 30 minutos e mais 2 horas no congelador.

*Eu não tinha licor de cassis em casa por isso cozinhei açúcar, mirtilos, água e cachaça (100 g de cada) por 5 minutos. Passei pela peneira e utilizei os 120 ml que precisava.
**Se você não tiver termômetro e teme que o creme ultrapasse os 80°, então faça tudo em banho-maria. Demora um pouquinho mais, porém o resultado é garantido.
***Você pode usar um mixer no lugar do liquidificador e fazer tudo direto na panela.
**** Ei, ei, não jogue fora a baunilha! Guarde-a em um pote com açúcar. Depois de algumas semanas você terá açúcar de baunilha naturalmente aromatizado.


Um comentário:

Juliana Vermelho Martins disse...

Nessa minha nova vida eu estou dando muito menos bola (principalmente de sorvete) para as calorias a mais, as manchas na roupa, a dor de cabeça da ressaca... Quero mais é ser feliz! Porque o que se leva dessa vida (que pode acabar a qualquer momento) são justamente os instantes de pura alegria. E eles são tão poucos! Juntar sorvete com vinho tinto no mesmo instante... é mais do que justificativa pra esquecer completamente qualquer obrigação, apagar a consciência, neutralizar o superego!
:-D
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Palavra de hoje: "creeme"! Não é possível!!! Parece coisa feita!