quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Sinais.

RECEITA: CANELÉS BORDELAIS

1997 – Paris. Frio desgraçado. A minha mochila pesava nas costas e eu carregava poucos tostões no bolso. À caminho do albergue, me deparo com a visão que se cristalizaria na minha memória. Achatei meu nariz contra a vitrine da confeitaria abarrotada de delícias para me deslumbrar com os pequenos bolinhos dourados. Chamavam-se canelés. De que seriam feitos? Teriam gosto de quê? À noite, sonhei que dividia uma cesta de piquenique repleta de canelés com Monet e, pela primeira vez naquelas férias, não precisei de meias para dormir.

2002 – Berlim. Ganho um livro sobre a confeitaria francesa. Depois de cinco anos me deparei novamente com os canelés, desta vez em uma foto. Minhas mãos suam e deixam marcas nos cantos das páginas do livro. Traduzo a receita. Fava de baunilha? O que será isso?

2003 – Berlim. Experimentei pela primeira vez na vida baunilha de verdade. Que aroma, que gosto sensacional, que preço exorbitante, meu deus.

2004 – Berlim. Encontrei uma loja incrível de apetrechos de cozinha. Era comprar as formas de canelés ou ter o que comer no próximo mês. Investi meu dinheiro em uma forma de madeleines e risquei definitivamente os canelés da minha vida. Um temporal caiu sobre a cidade e usei a forma para me proteger do granizo. Com um resfriado daqueles, permaneci de cama por cinco dias. O valor da consulta médica e dos remédios que tomei pagariam as formas de canelés.

2005 – Paris. Dois dias de andanças com uma mochila mais leve que da outra vez. A confeitaria ainda estava lá e parecia que os canelés esperaram por mim intocáveis todos aqueles anos. A vendedora fez uma cara azeda quando mostrei meu cartão de crédito. Todos juntaram as moedas que tinham nos bolsos para que eu efetuasse a compra. Havia arrastado a trupe comigo por meia Paris debaixo de um tempo feio só para comprar o tal bolinho, mas todos sabiam o que significaria me contrariar em um momento daqueles. Encontrei a praça perfeita com a fonte perfeita. O vento assoprou as nuvens para longe e pude ver melhor o brilho da casquinha dourada. Tudo pronto para a iniciação. Procurei manter-me absorto do ruído dos amigos que faziam um festim comparando o recheio de seus baguetes. Percebi certa amabilidade nos olhares dos franceses ao me avistarem acocorado na borda da fonte segurando o canelé com a ponta dos dedos na altura do rosto. A minha amiga me disse para tomar cuidado ou eu ficaria vesgo para sempre. Foi eu rir do comentário para que meus dentes pulassem sobre o doce abocanhando a metade. Não houve tempo para outra piada e o canelé já havia sumido por completo. De olhos fechados, deliciei-me, mantendo a respiração em ritmo minimizado a fim de conservar o aroma acaramelado por mais tempo e para registrar no meu arquivo mental de sabores todas as nuances da baunilha. Quando, de volta do êxtase, abri meus olhos, todos os meus amigos se desmancharam em risadas. Só mais tarde, no alto da torre Eiffel, de frente para o primeiro pôr-do-sol avistável da semana, é que meus olhos entraram no eixo novamente.

2007 – Elne (sul da França). Chovia há uma semana e não havia mais o que comer na barraca. Fomos ao supermercado com o budged contadinho em busca de queijos e vinhos baratos. Importante é que fossem franceses para que não afetasse a imagem de dândis miseráveis que conservávamos durante aquelas férias. O céu se abriu lá fora e um facho de luz iluminou uma cesta de ofertas. Entre quinquilharias e latas amassadas descobri uma forma de silicone para canelés.

2008 – Curitiba. Visito meus pais. Uma garoa perseverava há dias mas mesmo assim decidimos passar uns dias no apê da praia. Empacotando a forma de canelés que trouxera, grito para minha mãe para que não se esqueça de carregar o bronzeador.
Canelés Bordelais
(do livro Mon cours de cuisine – La Pâtisserie)

Ingredientes para 8 canelés:
· 250 ml de leite integral
· 1 fava de baunilha
· 125 g de açúcar
· 50 g de farinha para pães
· 1 ovo e 1 gema
· 25 g de manteiga derretida
· 10 g de rum

Modo de preparo:
1. Ferva o leite com a baunilha e deixe amornar.
2. Em uma tigela, misture a farinha, o açúcar e os ovos.
3. Retire a fava do leite e reserve. Misture o leite à massa. Adicione a manteiga derretida e misture. Devolva a fava à mistura e deixe esfriar totalmente.
4. Adicione o rum, cubra com filme plástico e leve à geladeira por 12 horas no mínimo.
5. Pré-aqueça o forno a 270°. Unte as formas com manteiga. Descarte a fava. Despeje a massa deixando um centímetro livre e leve ao forno. Depois de 10 minutos abaixe a temperatura para 180° e asse por cerca de uma hora. Estará pronto quando os canelés resistirem a pressão do dedo. Desenforme quando estiverem mornos.

DICAS:
*Minha forma é de silicone, por isso não precisei untar.
**Se não tiver a forma especial para canelé, use forminhas de empada ou de muffin; preencha com a massa até a metade apenas e reduza o tempo de assar.

Um comentário:

Juliana Vermelho Martins disse...

Perfeito!
Não tem mais o que dizer desse texto!
Perfeito!